Iniciativas ajudam mulheres a ingressarem no mundo da programação
Conheça projetos e negócios sociais de São Paulo que ensinam mulheres a programar
Por: Mariana Lima
As mulheres ainda são minoria em áreas ligadas à tecnologia, como programação e robótica. De acordo com um levantamento realizado pelo Estadão QR, com base nos dados do Censo da Educação Superior do MEC, as mulheres correspondem a 115 mil dos 502 mil graduados entre 2010 e 2017 nas áreas de computação e engenharia.
E dados da ONU Mulheres apontam que as mulheres representam apenas 17% dos programadores brasileiros, apesar de esta profissão ser uma das mais promissoras e com melhor remuneração e chances de crescimento.
Diante deste cenário, surgem projetos e negócios sociais que visam reduzir as barreiras entre as mulheres e o mundo da ciência e da tecnologia. Barreiras essas que são ainda maiores para meninas e mulheres das periferias ou negras.
MinasProgramam
O MinasProgramam nasceu em 2015, encabeçado por três mulheres. Todas tinham em comum as perspectivas feministas e estavam envolvidas com o ambiente tecnológico e com os direitos digitais.
“Começamos a perceber essa desigualdade de gênero, e como fica mais difícil para as meninas aprenderem ou terem interesse em programar, quando elas não são incentivadas a isso”, comenta Bárbara Paes, uma das fundadoras do projeto.
Um dos aspectos pensados durante o planejamento do projeto era em relação a construir um lugar seguro para o aprendizado destas meninas. “Existe um preconceito muito forte contra essas mulheres na sala de aula, e isso acaba se tornando um obstáculo”, conta.
Além dos aspectos técnicos apresentados no curso e nas oficinas, é discutida a importância da representatividade de gênero nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, e a autoestima das alunas é trabalhada.
A estudante Rawanny Castilho, 22, descobriu o curso através do Instagram e, por já estar interessada na área, resolveu se inscrever. “Está sendo muito gratificante participar do curso. Estou revendo coisas que eu já conhecia, mas elas trazem isso de uma forma totalmente diferente e, na verdade, bem melhor do que a maneira como eu tinha aprendido”.
A escolha de ter apenas professoras mulheres faz parte da proposta do curso. “Essas meninas chegam muito inseguras em relação às suas capacidades, e se tiver um homem na sala isso é ampliado em 10 vezes mais. E ter mulheres ensinando programação é uma referência para elas”, explica Ariane Cor, fundadora e designer do projeto.
Antes do início das aulas, as professoras recebem um treinamento para abordar questões de gênero com as alunas. Bárbara ressalta que alunas e professoras devem trabalhar juntas.
“O processo inicial de entrada na programação é difícil. As duas pontas (professora e aluna) devem atuar juntas para transformar algo que era irreal em um conhecimento delas”.
Para a professora do MinasProgramam Talita Ângelo Taveira, 25, é importante apresentar os conceitos e o uso de dados de maneira que as alunas sejam capazes de ver o resultado do trabalho que estão fazendo.
“Teve uma aluna que falou para mim que achava que código iria ser chato e que queria pular para outras aulas, e no final do módulo ela disse que mudou de ideia. O código por si só não é interessante. O legal é ver o que você está produzindo, o que está conseguindo aprender com ele”.
Para ter esse envolvimento, Talita mescla os conceitos teóricos com atividades práticas em que elas podem ver o resultado do que estão aprendendo, como poderão usar e esclarecer as dúvidas.
“Eu fiquei bastante impressionada com o desenvolvimento da turma. Elas querem desenvolver, chegar em uma solução. No final da aula, elas vieram me mostrar o que fizeram e estavam muito orgulhosas por terem conseguido”.
Talita não é programadora por formação. Mesmo com seu pai sendo programador, o interesse pela área surgiu só depois de concluir o curso de Relações Internacionais.
“Acho que um dos motivos é porque nunca pensei nesta carreira antes, e porque não é uma área em que a presença feminina seja reconhecida constantemente. Mas não tem que ser assim, e o MinasProgramam mostra isso”.
“Soluções mais eficazes são feitas com diversidade, não em grupo homogêneo”
Para Bárbara Paes, muitas empresas hoje estão buscando um quadro mais diverso de funcionários e isso deve fortalecer a presença das programadoras no mercado. Mas ela afirma: “as empresas precisam oferecer melhores condições para o trabalho destas mulheres, principalmente quando são mães”.
Bárbara atualmente faz mestrado em Gênero e Desenvolvimento, e considera que a programação só tem a perder quando limita seu espaço.
“A participação das mulheres nestas áreas não é só por uma igualdade numérica, mas na verdade é uma ferramenta fundamental para a sociedade. Soluções mais eficazes são feitas com diversidade, não em grupo homogêneo”.
O MinasProgramam realizou duas edições em 2019 e pretende realizar mais uma no final do ano. Durante o curso, que é gratuito, as estudantes aprendem sobre mulheres na tecnologia, software livre, lógica de programação, dados, UX, frontend, backend e empreendedorismo. Além disso, o projeto também oferece oficinas à parte.
Sheila Ribeiro dos Santos, 35, é assistente social e aluna na 4ª turma do curso oferecido pelo MinasProgramam. “É muito legal e interativo. As mulheres que têm experiência vêm aqui e tiram as nossas dúvidas. Na faculdade, o processo de aprendizado seria mais longo, aqui pelo menos temos uma base para começar”.
A auxiliar de farmácia, Luana Felipe, 37, enxerga no curso o início para a nova carreira que está construindo para si. “O curso é muito bom. Elas abordam a programação desde o início, e como estou fazendo faculdade de análise agora, estar aqui é apenas o pontapé inicial para mim”.
Jéssica Osko, fundadora do projeto, destaca a mudança de atitude das mulheres que participam do curso. “Elas chegam aqui com aquela visão de ‘não sou capaz’, então ao longo do curso elas vão construindo as coisas sozinhas, e chegam animadas para mostrar isso. O curso acaba mudando essa visão, e é lindo de ver”.
{Reprograma}
Assim como o MinasProgramam, o {Reprograma} é uma inciativa de impacto social que foca no ensino de programação para mulheres cis e trans que não teriam condições de pagar por cursos como este ou participar de outras oportunidades semelhantes.
O {Reprograma} foi inicialmente um projeto da economista peruana Mariel Milk. Ela percebeu a dificuldade em encontrar programadoras no Brasil. Com o apoio de 20 voluntários, entre eles as cofundadoras Carla De Bona e Fernanda Faria, criou o {Reprograma}.
“Quando a menina tem interesse e entra em faculdades nestas áreas, ela não se vê representada ali. Não tem outras mulheres na turma nem professoras, então como ela vai construir sua carreira neste espaço? ”.
O comentário é de uma das cofundadoras do {Reprograma}, Carla De Bona, formada em design gráfico pela UDESC, com pós em comunicação e semiótica pela PUC-SP, e programadora.
“Eu era muito inocente quando me formei. Achava que a falta de colegas femininas nas turmas era apenas questão de mérito. Mas quando comecei a dar aula minha percepção mudou. Logo me vi envolvida com projetos para mudar esse quadro”.
Atualmente, a iniciativa oferece o curso principal, o Bootcamp, de período integral e com duração de 18 semanas. O curso ocorre duas vezes ao ano e é gratuito. Porém, para participar é necessário não estar trabalhando. Outros cursos oferecidos são: Back-end e o Bootcamp online.
“No curso, tentamos ensiná-las a lidarem com o erro. De nós [mulheres] é exigida a perfeição, então quando elas não conseguem escrever uma linha de código, elas não vêm tirar dúvida ou conversar; já apagam tudo. Elas não se veem como capazes”.
O projeto é mantido em parceria com o Facebook, que oferece o espaço para a realização das aulas e a sede do projeto. A taxa de desistência é de apenas 2% e muitas das estudantes conseguem terminar o curso empregadas ou com algum encaminhamento, em consequência das parcerias.
As empresas parceiras também podem patrocinar estudantes de baixa renda ou em situação de vulnerabilidade social que precisem de suporte financeiro (passagem, por exemplo).
“No começo, nós chorávamos muito por não conseguirmos realizar o exercício, por não entendermos como aplicar aquele código, programar corretamente. Neste aspecto, as professoras auxiliavam muito, nos dando suporte emocional para não desistirmos”, conta a ex-aluna da turma 1 de back-end, Ana Luíza Sampaio, 22 anos.
As estudantes precisam realizar um projeto final para o curso e que tenha algum impacto social. Ana Luíza está cursando obstetrícia na Universidade de São Paulo (USP) e seu projeto foi voltado para essa área. Ela criou um aplicativo de ranqueamento com as melhores maternidades da capital de São Paulo.
“As mulheres acabam sendo ignoradas na hora de escolher a maternidade, a data ou o modo como querer realizar o parto. O Spotlight surgiu desta necessidade, para que elas compartilhem suas experiências e possam fazer uma escolha mais consciente na hora de escolher uma maternidade”.
Além do relato das pacientes, Ana Luíza incluiu um questionário. “Minhas amigas chamaram atenção para o fato de que muitas vezes as mulheres não percebem que sofreram violência obstétrica. O questionário serve para identificar isso”.
Ana Luíza descobriu o curso por indicação de uma amiga. Em parceria com colegas, queria desenvolver uma empresa, porém a necessidade de uma programadora chamou sua atenção.
PrograMaria
Outra iniciativa voltada para a inclusão de mulheres no mundo da programação é o negócio social PrograMaria. Fundado em 2015 pela jornalista e empreendedora Ian Chan, o projeto iniciou com um clube de programação voltado apenas para mulheres.
“Para mim, programação é poder dar vida às ideias, poder construir coisas. Desde pré-adolescente, quando tinha meu blog, adorava mexer nos códigos para deixar ele com a minha cara. Achava sensacional poder me expressar não só com palavras, mas com outros recursos”, conta Ian Chan.
O objetivo do negócio é empoderar mulheres através da tecnologia e da programação, ajudando empresas a investir na diversidade e abrir espaço para o trabalho destas mulheres. “É muito mais fácil inovar quando se tem diversidade de gênero, étnico-racial, cultural e social, porque essa riqueza traz diferentes perspectivas sobre um mesmo problema e faz com que as soluções ‘fora da caixa’ apareçam”.
O PrograMaria oferece o curso “Eu Progr(a)mo”, em que são ministradas aulas de introdução à programação com foco em desenvolvimento web, e que exploram conceitos como o HTML, CSS, Java Script, e a Oficina Meu Primeiro Bug, que realiza uma experimentação em programação para sensibilizar e despertar o interesse de mulheres pela área.
Também são realizados eventos como meetups sobre carreira em TI; hackathons; programas de recrutamento; e o evento anual, que reúne mulheres da área de tecnologia, o PrograMaria Summit.
“Queremos que as mulheres sejam capazes de tornarem-se não apenas consumidoras, mas produtoras de tecnologia. Quantos projetos, empreendimentos e startups poderiam sair do papel se as mulheres se apropriassem dessa habilidade? ”, reflete Ian Chan.
*
Esta é a 3ª reportagem de uma série sobre mulheres na ciência.
Para ler a primeira, acesse: Mulheres na ciência: os desafios e conquistas de ontem e hoje
Para ler a segunda, acesse: Por que áreas como ciência e tecnologia ainda têm poucas mulheres?
Para ler a quarta, acesse: Como a maternidade afeta a carreira científica de mulheres no Brasil
Por que áreas como ciência e tecnologia ainda têm poucas mulheres?
01/10/2019 @ 12:32
[…] Para ler a terceira, acesse: Iniciativas ajudam mulheres a ingressarem no mundo da programação […]
Como a maternidade afeta a carreira científica de mulheres no Brasil
07/10/2019 @ 10:48
[…] Para ler a terceira, acesse: Iniciativas ajudam mulheres a ingressarem no mundo da programação […]
Alunas da USP motivam meninas a seguirem carreira na computação
30/10/2019 @ 08:00
[…] em 2017, com o objetivo de reduzir a disparidades entre os gêneros nos cursos de computação. As mulheres ainda tendem a ser minoria nesta […]
Mulheres na ciência: os desafios e conquistas de ontem e hoje
18/08/2020 @ 16:23
[…] Para ler a terceira, acesse: Iniciativas ajudam mulheres a ingressarem no mundo da programação […]