Jimi Hendrix – 80 anos: A atualidade de um mito negro além da guitarra
Por Rodrigo Fonseca Martins Leite
Jimi Hendrix faria 80 anos neste 27 de novembro de 2022. De ascendência negra e indígena, o ex-paraquedista do Exército Americano amargou o ostracismo e a falta de reconhecimento, tocando em bandas e submetido a contratos indignos no seu país natal até ser descoberto num boteco esfumaçado de Nova York pela namorada de Keith Richards na época – Linda Keith. Depois disso, veio o empresário Chas Chandler que o levou para tocar na meca da modernidade dos anos 60 – Londres e o resto é história.
Para as novas gerações, é importante ressaltar que “ser o maior guitarrista de todos os tempos” é pouco para explicar o mito. Do ponto de vista do instrumento, sua contribuição já foi há muito assimilada e superada. Qualquer vídeo de um professor anônimo de guitarra do YouTube comprova isso claramente.
Num mundo que dissocia técnica de contexto, cultura e ideologia, tudo se banaliza e se apequena. Esta cisão derivada do Cartesianismo, tem trazido xeques-mates sucessivos para o mundo ocidental: A recrudescência do fascismo, a redução do QI populacional em muitos países (incluindo o Brasil) e o empobrecimento da cultura mainstream estão relacionados a isso.
Mas voltemos a Hendrix e ao turbilhão super-sônico que foi a sua breve carreira como astro – basicamente de 1967 a 1970: No palco, ele aparentava incorporar divindades e orixás, evocava sexualidade, emulava bombardeios e o grito de baleias em meio ao hino nacional dos EUA; trazia quase sempre um misto de desespero, ira e transcendência.
Tamanha intensidade e urgência seriam demais para a fragilidade da existência humana: Este ser, maior que a vida, morreu engasgado pelo próprio vômito, numa mistura de drogas permitidas pela sociedade: sedativos e álcool. Nada mais prosaico e mundano.
Como andava sua saúde mental naquele setembro de 1970? Péssima, certamente. Suas últimas fotos e entrevistas, mostravam um artista emagrecido, consumido e falando em morte, talvez como libertação.
O abuso de drogas como a cocaína e todas as outras em escala industrial certamente não o ajudava. A relação predatória com empresários inescrupulosos, também não. Populações negras de origem pobre trazem, entranhadas na circuitaria neuronal, os efeitos do racismo, da transgeracionalidade da escravidão, da exposição à perdas, violências e lutos. E este cenário ainda é universal e corriqueiro em todo o mundo. Imagine na Seattle de 1942 onde Hendrix de sangue negro e indígena nasceu…
Em que medida estes fatores contribuíram para o fato de Jimi Hendrix ter partido aos 27 anos de idade, jamais saberemos ao certo mas fica o legado e a mensagem de que talentos negros enlouquecem e sucumbem cedo demais. A lista é enorme.
Entretanto, o pior é que muitos destes gênios sequer teremos a oportunidade de conhecer, anonimizados e mortos precocemente nas comunidades, guetos, cracolândias e favelas mundo afora.
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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.
Sobre o autor: Rodrigo Fonseca Martins Leite é médico psiquiatra pelo IPq HCFMUSP, mestre em políticas públicas e serviços de saúde mental, produtor da mídia social “psiquiatra da sociedade”.