Manicômio em SP recebia como pacientes: negros, mães solo e LGBTIQ+
O local chegou a abrigar mais de 18 mil pacientes, que eram vítimas de torturas. Além disso, o complexo não conseguia comportar a demanda de internos e muito menos dar a assistência médica necessária.
O Complexo Hospital do Juquery foi fundado em 18 de maio de 1898, em Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo. Devido à localização afastada, o local abrigou milhares de pacientes com transtornos mentais, criminosos e até pessoas sem problema mental nenhum, mas indesejadas pela sociedade da época. Entre estas estavam mães solo, negros, pessoas LGBTQIA+ e até presos políticos.
O fato indica que, na época, internar em manicômios pessoas indesejadas pela sociedade do Brasil na época, era uma prática bastante utilizada. O Hospital Colônia , no município de Barbacena em Minas Gerais, também tinha casos de pessoas desses grupos sociais como pacientes, sendo comparado a um campo de concentração.
O espaço, que um dia já foi considerado um dos maiores hospitais psiquiátricos do Brasil, hoje em dia é cercado de lembranças assustadoras.
O local chegou a abrigar mais de 18 mil pacientes que eram vítimas de torturas. Além disso, o complexo não conseguia comportar a demanda de internos e muito menos dar a assistência médica necessária. O local era tão insalubre que criminosos e pacientes mentais conviviam juntos. Somente mais tarde, o diretor Antônio Carlos Pacheco e Silva, fundou o Manicômio Judiciário, integrado a esse complexo.
De acordo com o ex-funcionário José da Conceição e um dos escritores do livro “Cinzas do Juquery: Os horrores no maior hospital psiquiátrico do Brasil”, os recursos básicos para o atendimento eram precários e os pacientes eram abandonados sem perspectiva, tido apenas como números. Além disso, ficavam largados na beira dos muros do complexo durante dias.
“Era uma tortura. No campo em que os pacientes entravam, muitos chegavam sem nenhuma identidade e sem logística, bastava qualquer pretexto. Eram chamados de ignorado um, ignorado dois, ignorado três e por aí vai. Então se tornou mesmo — pode-se dizer — um campo de concentração”, disse José da Conceição.
Segundo o jornalista e escritor, Daniel Navarro Sonim: “O projeto tinha a finalidade de segregar, separar e manter distante da capital de São Paulo, pessoas que eram consideradas fora dos padrões, tanto que o primeiro nome era Asilo de Alienados do Juquery. Alienados eram pessoas alheias à realidade, que fogem dos padrões, que na época, pensando por um viés mais econômico, elas não serviriam nem para trabalhar na lavoura do café e na indústria”, disse ele.
Ainda segundo o autor, mulheres que fugiam dos padrões e eram consideradas “histéricas”, mães solteiras, pessoas LGBTQIA+, inimigas políticas do Estado e até mesmo negros, eram enviados para o Juquery.
“À medida que a cidade crescia, essa população de ‘indivíduos indesejados’ aumentava também. Então se via a necessidade de criar uma instituição que acolhesse as pessoas alheias a essa realidade em algum lugar. E na verdade, quanto mais longe melhor”, afirmou o jornalista.
O Juquery funcionou até o começo de 2021, restando apenas o Manicômio Judiciário que foi renomeado de Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Professor André Teixeira Lima.
Fonte: Aventuras na História/ UOL