No Brasil, agrotóxico se tornou arma para violência doméstica
Na última década, foram registradas 305 tentativas de homicídio com pesticidas no Brasil; produto mais usado está proibido no país e é conhecido como ‘chumbinho’
Por: Mariana Lima
Agrotóxicos foram usados como armas em 305 tentativas de envenenamento com pesticidas na última década, segundo dados do Sistema de Agravos de Notificações (Sinan).
De acordo com a análise, em 77% dos casos, a violência ocorreu dentro de casa.
O levantamento foi realizado pela Agência Pública e pela Repórter Brasil, revelando um desvio no uso dos produtos agrícolas, que vêm sendo usados para matar e ameaçar pessoas.
No total, o levantamento indica que ao menos 32 homicídios ocorreram com o uso dos produtos.
Os dados do Ministério da Saúde foram obtidos via Lei de Acesso à informação (LAI) e mostraram, ainda, que o agrotóxico mais usado nos casos de violência está proibido no país desde 2012. Trata-se do Aldicarbe, popularmente conhecido como ‘chumbinho’ e usado ilegalmente como veneno de ratos.
Além deste pesticida, mais 22 tipos de agrotóxicos foram usados para a prática de agressões, como os herbicidas Glifosato (15%) e Picloram (14%), substâncias permitidas no Brasil, mas altamente tóxicas.
O perfil das vítimas desta violência não foge ao que se tem observado nos últimos anos em relação às mortes violentas no Brasil: pessoas pretas e pardas, jovens e que não chegaram a completar o ensino fundamental.
Contudo, os dados ainda estão longe de representar a realidade. Além de problemas no processo de notificação – uma vez que muitos casos são confundidos com suicídios -, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, para cada caso notificado de intoxicação, existem outros 50 não computados.
Outro problema é que a falta de controle nas vendas dos agrotóxicos facilita o acesso e impede de rastrear o comprador.
E no caso dos produtos proibidos como o Aldicarbe, que seguem sendo vendidos ilegalmente no Brasil, é ainda pior.
O agrotóxico foi retirado do mercado justamente pelo uso irregular e indiscriminado como agente abortivo e em tentativas de homicídio e de suicídio.
De acordo com o Sinan, pelo menos 116 pessoas morreram envenenadas por Aldicarbe entre 2013 e 2019.
Entre as intoxicações causadas por violência, o uso de agrotóxicos agrícolas é a segunda causa mais recorrente, com 32% dos casos.
Os raticidas vêm em primeiro lugar (52%). Ao longo de 10 anos, o Sinan registrou 962 casos no total. Não estão inclusos os registros com usos de medicação.
Ao cruzar os dados com o Índice Brasileiro de Privação (IBP), desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e que analisa as condições de desigualdade por setor censitário, municípios e estado, foi possível identificar que das 193 cidades que registraram casos de violência por envenenamento, 60% estão classificadas com nível alto ou muito alto de privação, ou seja, cidades onde as condições de acesso da população a educação, nível de renda e condições de moradia são precárias.
Em uma escala que vai de 1 a 5, em que a menor medida significa baixas condições de privação, enquanto que as categorias mais elevadas representam altos níveis de desigualdade social, 60% das cidades com casos de violência por envenenamento possuem IBP alto ou muito alto.
Apesar de a maior parte dos casos ter ocorrido nas zonas urbanas das cidades, apenas nove capitais estão entre as 193 cidades que registraram esse tipo de violência.
A incidência maior está em cidades com menos de 100 mil habitantes e localizadas longe das grandes metrópoles.
A cidade de Recife registra a maior parte dos casos de violência por envenenamento, com 24, e a quarta com maior incidência deste tipo de violência, com 1 caso a cada 100 mil habitantes — fica atrás apenas de Jataí (GO), Iguatu (CE) e Vitória (ES).
De acordo com o Relatório de Comercialização de Agrotóxicos do Ibama de 2019, Pernambuco é o 16º estado que mais utiliza pesticidas no país. Dos 24 casos de Recife, apenas dois não ocorreram em casa.
A principal faixa etária das vítimas é entre 20 e 53 anos (10 ocorrências), sendo 50% homens e 50% mulheres.
Entre os registros que ocorreram dentro das residências, uma das vítimas era uma menina de 4 anos de idade, que morreu envenenada em abril de 2018.
Fonte: Repórter Brasil