No Rio, 54% dos moradores de favelas perderam emprego na pandemia
Para quem vive nas favelas do Rio, a pandemia foi marcada por tiros, operações policiais e falta de acesso aos serviços básicos de saúde
Por: Mariana Lima
De acordo com a pesquisa ‘Coronavírus nas Favelas: a Desigualdade e o Racismo sem Máscaras‘, durante a pandemia de Covid-19, os moradores de favelas do Rio de Janeiro conviveram com tiros, operações policiais e falta de acesso aos serviços básicos de saúde.
No total, a falta de água fez parte da rotina de 37% desta população e 63% ficaram sem água em algum momento da pandemia. Apenas 26% possuem emprego com carteira assinada e 54% perderam o emprego no período.
A pesquisa ouviu moradores das comunidades Cidade de Deus, Complexo do Alemão e Complexo da Maré. As respostas foram colhidas por meio de formulário on-line e foram contabilizados 955 participantes.
O estudo foi realizado pelo coletivo Movimentos, formado por jovens de diferentes favelas da cidade, com apoio do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC).
O relatório aponta que o desestímulo às medidas preventivas por parte do presidente da república, a falta de coordenação da crise a nível federal e o atraso para começar a campanha de vacinação contra a Covid-19 amplificaram os efeitos da pandemia nas favelas.
A pesquisa revela que a média de pessoas por cômodo das casas das favelas é de três moradores, o que amplia a possibilidade de contágio dentro das residências e dificulta o isolamento social. Além disso, 54% não conseguiram fazer isolamento, principalmente pela necessidade de sair para trabalhar.
Em relação à Covid-19, 55% dos participantes afirmaram morar com pessoas pertencentes a grupos de risco; 93% conhecem alguém que teve Covid-19; 73% souberam de alguém que morreu da doença; 24% fizeram o teste para detectar a Covid-19, sendo que entre os que tiveram sintomas, apenas 45% conseguiram fazer um teste.
Vale pontuar que 37% dos entrevistados que precisaram de atenção médica não conseguiram atendimento em equipamento público de saúde e 14% dos que precisaram de atendimento médico recorreram à rede particular de saúde. Desse total, 40% das pessoas afirmaram ter consumido algum tipo de remédio por conta própria e apenas 4% disseram ter usado ivermectina e hidroxicloroquina como tratamento precoce para a Covid-19.
Violência, um problema permanente
Desde junho de 2020, as operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro devem ocorrer apenas em ocasiões excepcionais e precisam ser comunicadas ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), em razão da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como ADPF das Favelas.
Contudo, a medida não impediu que as operações continuassem ocorrendo nas favelas do estado, como a do Jacarezinho, realizada em maio deste ano, que resultou em 28 mortos, sendo um policial. De acordo com levantamento do MPRJ, entre 14 de junho do ano passado e 20 de setembro deste ano, ocorreram 663 operações em favelas do estado, principalmente na Região Metropolitana e na Baixada Fluminense.
A pesquisa do coletivo Movimentos aponta que 83% dos respondentes ouviram tiros de suas casas durante a pandemia; 69% presenciaram ou tomaram conhecimento de operações policiais na favela em que vivem; 73,8% sentem que houve aumento de casos de violência doméstica, com 40% tendo presenciado algum episódio; 47% sofreram algum episódio de racismo ou discriminação na vida e 16% sofreram racismo durante a pandemia.
Os dados apontam a relação entre o racismo sofrido e o adoecimento mental, já que 63% das pessoas que sofreram racismo na pandemia desenvolveram algum nível de depressão e 82% expressaram o desejo de experimentar novas substâncias psicoativas.
Entre as substâncias, o álcool foi o mais citado, com 45% das respostas, seguido por remédios de venda controlada (19%), cigarro (18%), inalantes psicotrópicos (16%) e maconha (12%).
Sobre a saúde mental, a pesquisa revelou que 76% dos respondentes tiveram algum distúrbio do sono; 43,1% tiveram algum nível de depressão; e 34% veem a ansiedade como um sentimento mais presente na pandemia. Também foram citados tristeza, medo, pânico, pensamentos negativos, dores, depressão e palpitação acima da média.
O estudo ainda apontou que 62% dos entrevistados solicitaram o auxílio emergencial oferecido pelo governo federal, mas apenas 52% receberam o benefício; 50% solicitaram doações e, dentre esses, 56% receberam ajuda; 36% das pessoas ajudaram arrecadando ou fazendo doações.
Fonte: Agência Brasil