Perseguida, ela revolucionou o tratamento psiquiátrico no Brasil
A psiquiatra alagoana Nise da Silveira (1905-1999) é conhecida internacionalmente por seu trabalho humanizado que valorizava a dignidade de indivíduos considerados “loucos”
Por: Mariana Lima
Nise Magalhães da Silveira nasceu em 1905, em Maceió (AL), filha de uma pianista e de um professor de matemática. Nise da Silveira tornou-se reconhecida nacional e internacionalmente por seu trabalho de humanização do tratamento psiquiátrico, sendo contrária a terapias agressivas usadas ao longo do século XX, como o eletrochoque.
Nise da Silveira começou a trilhar seu caminho ainda em 1926, ao se formar na Faculdade de Medicina da Bahia, como a única mulher em uma turma composta por 158 alunos. Durante a graduação, ela já mostrava sinais de estudar grupos ignorados pela sociedade, tanto que apresentou um estudo sobre a criminalidade da mulher no Brasil.
Alguns anos depois, Nise acabou presa durante o Estado Novo de Getúlio Vargas (1936 e 1937) após ser denunciada por uma enfermeira por ter livros marxistas. Nise já havia sido expulsa do Partido Comunista Brasileiro e foi uma das poucas mulheres a assinar o ‘Manifesto dos trabalhadores intelectuais ao povo brasileiro’.
Enquanto esteve no presídio, Nise da Silveira conheceu a revolucionária Olga Benário e o escritor alagoano Graciliano Ramos, que chegou a escrever sobre ela no livro ‘Memórias do Cárcere’. Após deixar a prisão, Nise ficou afastadas do serviço público, e só voltou a exercer sua profissão em 1944.
Foi enquanto trabalhava no antigo Centro Psiquiátrico Nacional D. Pedro II, localizado no Rio de Janeiro, que Nise da Silveira começou a manifestar-se contra os tratamentos agressivos, como eletrochoques, isolamentos, lobotomias e camisas de força.
Seu posicionamento contrário ao padrão da instituição fez com que fosse transferida para a área de terapia ocupacional, como uma forma de repreendê-la.
Ao contrário do que seus superiores esperavam, no entanto, foi justamente nesta área que Nise encontrou o espaço adequado para investir em métodos mais humanizados na recuperação dos pacientes internados.
Entre os tratamentos desenvolvidos por Nise está o de expressão dos sentimentos por meio da arte, com foco em especial às pinturas. A produção artística de alguns dos pacientes acompanhados por Nise ganharam reconhecimento pela qualidade estética observada, além de colaborar para os resultados positivos na recuperação deles.
Todas as obras produzidas pelos pacientes de Nise da Silveira estão expostas no Museu de Imagens do Inconsciente, que foi inaugurado por ela em 1952, cinco anos depois de ter fundado a Seção de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação no Centro Psiquiátrico D. Pedro II, e que dirigiu por 30 anos, até 1974.
As obras de seus pacientes já haviam ganhado notoriedade após serem expostas no Museu de Arte Moderna de São Paulo e na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
Em 1956, após o sucesso das obras e do reconhecimento de sua metodologia, Nise inaugurou a Casa das Palmeiras, uma instituição focada em reabilitar sem internação com foco no processo criativo e afetivo dos pacientes.
Outro forma de tratamento introduzida na psiquiatria brasileira por Nise da Silveira foi o contato com cães e gatos entre os pacientes tratados por ela, que podiam cuidar dos animais que ficavam nos espaços abertos do Centro Psiquiátrico D. Pedro II, visando estabelecer vínculos afetivos. A efetividade destas experiências motivaram Nise a escrever o livro ‘Gatos, a Emoção de Lidar’.
Para desenvolver seu trabalho no Brasil, Nise inspirou-se em um dos mais conhecidos psiquiatras e psicoterapeutas da história, o suíço Carl Jung. Ambos se correspondiam para falar sobre seus trabalhos. A colaboração rendeu um convite a Nise para passar um ano estudando no instituto Carl Gustav Jung, em 1957.
Ela acabou por se tornar uma das principais precursoras das práticas junguianas no Brasil, tendo ajudado a formar o Grupo de Estudos C.G. Jung e escrito o livro ‘Jung: Vida e Obra’.
Nise da Silveira continuou se dedicando à psiquiatria até a sua morte em 1999, aos 94 anos, por insuficiência respiratória aguda. Ela já estava há um mês internada no CTI do Hospital Miguel Couto, na Gávea (RJ), por consequência de uma pneumonia.
A trajetória desta alagoana inspirou uma biografia escrita por Bernardo Horta, ‘Nise – Arqueóloga dos Mares’, que serviu de base para a cinebiografia ‘Nise – O Coração da Loucura’, lançada em 2016, com a atriz Glória Pires no papel principal. Ambas as obras buscam retratar a importância de Nise para a psiquiatria brasileira.
Em 15 de fevereiro de 2020, Nise foi homenageada pelo Doodle do Google (alteração temporária especial no logotipo da página de pesquisa) na data em que comemoraria 115 anos de idade.
Referências:
DULCE, Emilly. “Nise da Silveira: a mulher que revolucionou o tratamento mental por meio da arte“. Reportagem publicada no Brasil de Fato em 2018.
FERREIRA, Jéssica. “Quem foi Nise da Silveira, psiquiatra que humanizou os tratamentos no Brasil“. Reportagem publicada na Revista Galileu em 2019.
VELOSO, Amanda Mont’Alvão. “Quem foi Nise da Silveira, a mulher que revolucionou o tratamento da loucura no Brasil“. Reportagem publicada no HuffPost Brasil em 2016.