Procura por carreiras militares aumenta entre os jovens
Do total de jovens brasileiros entre 16 e 26 anos, 43,9% estão buscando seguir carreiras militares. Especialistas indicam falta de oportunidades, vulnerabilidade e a pandemia como possíveis explicações para a situação
Por Iara de Andrade
Do total de jovens brasileiros entre 16 e 26 anos, 43,9% estão buscando seguir carreiras militares. As informações são do estudo “Dataset on the perceptions of Brazilian youth toward a military career post-Covid-19”, elaborado pela Universidade de Oxford, Reino Unido, em parceria com as universidades federais de São Carlos (UFSCar), Pernambuco (UFPE), Minas Gerais (UFMG) e pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
Foram coletadas 2.055 respostas, em todas as regiões do país, através de questionário online, com 58 itens vinculados a oito categorias de análise: propensão a buscar carreiras militares, percepções sobre essas carreiras, associação a visões e atitudes conservadoras, habilidades e aspirações de trabalho, percepções do mercado de trabalho, perfil sociodemográfico, trajetória escolar, carreira e contexto familiar.
A crise sanitária e a falta de oportunidades podem explicar tais resultados. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): 37,8% de pessoas entre 14 e 24 anos estavam desocupadas no primeiro trimestre de 2022. No ano um da pandemia (2020), a porcentagem foi de 30% entre os meses de maio e julho, maior taxa anual desde 2012.
“De todas as condicionantes que poderiam explicar o interesse nas carreiras militares – como fatores ideológicos, questões materiais concretas, geracionais, gênero, raça, classe -, os resultados mostram claramente que a tendência a este interesse cresce conforme aumenta a vulnerabilidade dos jovens”, destaca Gabriel Feltran, docente do Departamento de Sociologia da UFSCar e integrante do time de pesquisadores.
Gabriel complementa que apesar de todo o incentivo atual em relação ao empreendedorismo, que defende a iniciativa individual, antagônica aos empregos estáveis, há uma percepção de que essas carreiras apresentam maiores possibilidades de estabilidade e crescimento, além da garantia de alimentação em um país com 33 milhões pessoas passando fome.
Nilton Matos é professor de carreiras militares na AlfaCon Concursos e explica que outro motivo para o crescente interesse pode estar relacionado às consequências da pandemia sobre a educação, o receio de não conseguirem se sobressair em vestibulares tradicionais, além de direitos como aposentadoria integral e auxílios somados à remuneração.
“Não há outra área em que isso ocorra. Assistência médica, odontológica, psicológica, familiar, até auxílio funeral para membros da família é possível garantir”, justifica ele. O ingresso nessas instituições garante curso superior tecnólogo reconhecido pelo Ministério da Educação.
Em entrevista ao Observatório do Terceiro Setor, a jornalista, educadora e gestora da Comunidade Reinventando a Educação (CORE), Márcia Ameriot, falou sobre a percepção da entidade sobre esse aumento de demanda:
“Na nossa experiência no trabalho com jovens, principalmente com aqueles mais vulneráveis socialmente, podemos, sim, confirmar essa tendência a ver na carreira militar um caminho para fugir da pobreza. Não é um sonho ou desejo de realização profissional, pelo menos não na maioria desses jovens, que, aliás, não acreditam sequer que possam sonhar. Nesse cenário de poucas oportunidades, o que conta é a estabilidade, já que não existe um projeto de vida, mas a busca do próprio sustento e o da família. Nosso trabalho tem sido oferecer possibilidades: proporcionar autoconhecimento e uma rede de apoio para que possam fazer escolhas”.
Por meio do projeto VIDHA – Vivências Integrais para o Desenvolvimento Humano Amoroso, a CORE já atendeu mais de 250 jovens de escolas públicas através de ateliês de inteligência emocional, autocuidado e educação financeira, com material científico disponível gratuitamente.
“Os jovens são acompanhados e orientados a construir um projeto de vida integral, não somente profissional. Mas a necessidade imediata, especialmente para aqueles nos anos finais do ensino médio, é o sustento. A falta de perspectiva econômica acaba fazendo a carreira militar mais atrativa”, finaliza Márcia.
Fonte: CEBRAP e Guia do Estudante