Programa social aumenta socialização entre idosos em São Paulo
Além da socialização, projeto também tem como foco a prevenção de doenças neurodegenerativas
Por Caio Lencioni
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2015 para 2016, a expectativa de vida do brasileiro passou de 75,5 para 75,8 anos, um acréscimo de três meses e onze dias. Se formos ainda mais longe, de 1940 até 2016, o aumento foi de 30,3 anos.
O IBGE aponta que, apesar do crescimento, o Brasil ainda está abaixo de países como Japão, Itália, Singapura e Suíça, nos quais a expectativa de vida está na faixa dos 83 anos.
Com o aumento da idade, cresce também a incidência de doenças neurodegenerativas, que comprometem a memória e outras funções cognitivas. Segundo o estudo ‘Envelhecimento e Memória: foco na doença de Alzheimer‘, um dos grandes desafios da sociedade brasileira nas próximas décadas será lidar com o envelhecimento da população evitando o aparecimento de doenças dessa natureza.
A neurologista Nancy Huang percebeu que a mãe estava com a doença de Alzheimer em junho de 2017. “A partir desse momento, eu comecei a procurar atividades para ela”, conta. A dificuldade em encontrar atividades que estimulassem as funções cognitivas da mãe fez com que Nancy procurasse outra alternativa.
A médica levou a mãe para morar com ela e criou um programa no condomínio, na Zona Leste de São Paulo, com o objetivo de ajudar idosos a terem mais qualidade de vida, por meio de atividades que ajudem a prevenir o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas.
O programa Quality Mais conta com fisioterapeuta, educador físico, músico, nutricionista, terapeuta ocupacional e uma especialista em gerontologia, área que estuda o envelhecimento.
Tripé Terapêutico
Com especialização na área de demência, a neurologista diz que, em 20 anos de profissão, percebeu que o tratamento à base de remédios não é tão eficaz para quadros demenciais e neurodegenarativos relacionados à idade.
“Claro que o medicamento possui seus méritos, já que estabiliza o quadro. Mas indo em congressos e atualizações sobre o assunto, conseguimos ver que as atividades multidisciplinares agregam muito mais benefícios do que o remédio em si”.
Através de um conceito chamado Tripé Terapêutico, que é a base do programa Quality Mais, a neurologista enfatiza a importância da atividade física, cognitiva e a socialização. “Principalmente a socialização, já que faz com que os idosos tenham que se preparar e ter repertório atualizado e coerente para que estabeleçam uma troca com outros idosos”.
A neurologista também explica que a literatura médica está bastante ampla no que diz respeito aos benefícios da atividade física. Um artigo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) aponta que a prática regular de atividade física prolonga a independência, melhora a autoestima e aumenta a capacidade de desenvolver tarefas diárias.
Já em relação às atividades cognitivas, Nancy diz que palavras-cruzadas e caça-palavras, por exemplo, ajudam a exercitar o cérebro e são benéficas para os idosos. “Até mesmo se o idoso quiser fazer uma faculdade, isso é bem-vindo. Algo que é novo para qualquer cérebro faz com que o mesmo crie uma rede neural muito mais ampla”.
A especialista diz que programas que tenham como base o Tripé Terapêutico têm sido feitos em hospitais e casas de repouso para idosos, mas que em condomínios, comunidades e bairros, projetos como o Quality Mais quase não acontecem.
Além disso, Nancy diz ter recebido demanda de outros condomínios, mas para que o programa chegue em outros idosos seria necessária a formação de maiores grupos.
“Para levarmos o Quality Mais para outros condomínios e o organizarmos de uma maneira melhor, seria necessário formar grupos. A filosofia do projeto é a socialização, não adianta atendermos dois ou três. Eu quero que um aprenda com o outro, assim como quero que um sinta-se apoiado pelo outro”.
A socialização contra a solidão
Para Lavínia Rodrigues, de 72 anos, o programa fez com que as vizinhas se tornassem amigas. “Moramos todas aqui no condomínio, mas só nos conhecíamos de ‘bom dia’ e ‘boa tarde’. Mas agora não, somos todas amigas”. Ela completa que, além da amizade, “os professores também são muito atenciosos”.
Jurema Mello, 71, concorda com a amiga Lavínia e completa que, além das aulas, as risadas, as danças e a parceria na hora de cozinharem juntas foram muito benéficas para ela. “O programa preencheu todas as expectativas que tínhamos em mente. Além disso, voltamos a ser crianças aqui”.
“Criamos um laço mesmo. Agora se eu estiver triste, ou angustiada com algo, posso ligar para uma delas”, completa Jurema.
Outra questão que Lavínia aborda é a solidão, que vai se tornando cada vez mais comum com o passar dos anos. “Ao envelhecer, você acaba se isolando um pouco. Você não tem aquela vontade de sair, conhecer gente. Então a gente vai começando a se fechar, pensando em problemas e em outras questões da vida”.
Outra participante do grupo, Marieta Rocha, de 74 anos, diz que visitava exposições e que a Arteterapia fez com que ela colocasse em prática algo que admira. “A pintura mexe muito com o nosso lado emocional e faz um bem tremendo. Colocamos as angústias para fora e ficamos mais calmas”.
Por agora, o programa está à procura de pessoas que sensibilizem os idosos de outros locais, assim como apoiadores para o projeto. “Pretendo nesse primeiro momento expandir o programa para a Grande São Paulo”.
Para mais informações, acesse a página do programa no Facebook.