Visão Mundial lança documentário sobre jovens infratores
“Meio Aberto”, documentário da organização Visão Mundial sobre jovens infratores que passaram por medidas socioeducativas no Brasil, fica em cartaz até o dia 30 de junho no Reserva Cultural, em São Paulo
Por Juliana Lima
Estreia hoje (03/06) o documentário “Meio Aberto”, uma iniciativa da organização Visão Mundial em parceria com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e a Bonita Produções. O filme retrata a realidade de jovens infratores que passaram pelo Sistema Socioeducativo em Meio Aberto do Brasil, destinado a ressocializar crianças e adolescentes infratores.
As medidas socioeducativas são um conjunto de medidas postas pela justiça brasileira que têm como objetivo promover a proteção social e a integração à sociedade de crianças e adolescentes em conflito com a lei. Atualmente, há duas medidas no país: a liberdade assistida e a prestação de serviços à comunidade. Para serem impostas, é avaliado a natureza do conflito e da infração cometida.
Por meio dessas medidas, os jovens passam por atendimentos de assistência social, podem voltar à escola (caso estejam afastados dela), fazer cursos profissionalizantes e traçar uma nova jornada de vida.
No filme, são narradas as histórias de cinco personagens de diferentes cidades do Brasil: Fortaleza, Recife e Belo Horizonte. Cada um mostra a trajetória que percorreu para chegar à criminalidade, sendo todas já marcadas pela desigualdade e pela violência. No entanto, outra coisa os une: a mudança de vida gerada pelo Sistema Socioeducativo em Meio Aberto.
“O juiz começou a conversar comigo, ele não ia me dar uma chance. Eu comecei a chorar e disse que não faria nada mais de errado. Aí uma pessoa conversou com ele, e ele disse: ‘vou te dar a liberdade assistida’. A medida socioeducativa salvou a minha vida. Um tanto de colegas do bairro em que eu morava morreu. E essa chance que eu tive do curso foi a chance que eu tive para mudar a minha vida”.
A fala é de Carlos Daniel, de 19 anos, e morador de Belo Horizonte. Depois de passar pelo Meio Aberto, ele agora diz sonhar em realizar mais cursos profissionalizantes e ingressas em uma faculdade de Engenharia Mecânica.
O documentário fica em cartaz até o dia 30 de junho no Reserva Cultural, em São Paulo (Av. Paulista, 900). As sessões são gratuitas e acontecem todos os dias, sempre às 12h30.
A realidade dos jovens infratores no Brasil
O documentário é derivado de uma pesquisa realizada pela Visão Mundial sobre a realidade dos jovens infratores e do Sistema Socioeducativo em Meio Aberto no Brasil. O estudo, intitulado “Diagnóstico da Política de Atendimento Socioeducativo em Meio Aberto”, foi divulgada em dezembro de 2021.
Segundo a pesquisa, a maior parte dos adolescentes infratores já recebeu algum tipo de ameaça de morte, seja por organizações criminosas, como facções e milícias; seja por instituições do Estado, como as polícias Militar e Civil; ou até mesmo por seus próprios familiares. Soma-se a isso o cenário de vulnerabilidades socioeconômicas que a maioria vivencia desde cedo.
O estudo também revela que os agentes públicos que trabalham com a justiça e com as medidas socioeducativas enfrentam diversos empecilhos em seu trabalho. Quando questionados, por exemplo, sobre cursos referentes à Lei do Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), 72% dos juízes, 78% promotores de justiça e 85% dos defensores públicos dizem não terem participado de nenhuma.
Para a organização, a falta de integração e conhecimento amplo sobre às leis de proteção social às crianças e adolescentes reflete uma sociedade baseada na punição, mas que pelas desigualdades inertes à ela, acaba sendo mais forte contra jovens negros, periféricos e pobres.
Segundo Welinton Pereira, diretor de relações institucionais e de advocacy da Visão Mundial, o objetivo da pesquisa é pautar as políticas públicas voltadas a esse público em todo o Brasil, já que se trata da primeira pesquisa a nível nacional sobre o tema. Já o documentário vem para ilustrar esses dados de forma humanizada e colocar a pauta no debate público.
Debate em prol dos jovens
Para o lançamento do documentário, a Visão Mundial organizou um evento de debate com especialistas sobre infância e adolescência e jovens infratores. Entre os presentes estavam a deputada estadual Marina Helou (Rede-SP); o defensor público Daniel Seco; o Secretário Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo, Carlos Bezerra Júnior; o vereador Eduardo Suplicy (PT-SP); e Samira Bueno, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O debate contou também com a presença da equipe envolvida no filme e do personagem Carlos Daniel. A conversa girou em torno do papel de uma organização da sociedade civil, como a Visão Mundial, na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, e sobre as dificuldades que esses jovens enfrentam atualmente.
A deputada Marina Helou, que é a atual presidente do Comitê Paulista pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, lembrou que, em São Paulo, cerca de um terço dos jovens assassinados no estado já passaram por penas em regime fechado na Fundação Casa. Segundo ela, isso mostra o quão importante é apostar em políticas de acolhimento e ressocialização como as medidas socioeducativas em meio aberto.
Durante o debate, foi lembrado também que, muitas vezes, o que os jovens infratores precisam é de alguém que os dê atenção, com escuta ativa e empatia. Só assim eles podem encontrar a vontade de mudar de vida e se reconhecer como cidadãos com direitos.