Comprando sorrisos e corpos novos no Brasil: as relações pouco discutidas entre estética e saúde
Por Rodrigo Fonseca Martins Leite
O mercado “fitness” brasileiro obteve 2,1 bilhões de dólares em 2019, ficando somente atrás dos EUA e do Canadá, tendo enorme contribuição da multiplicação das academias em todos os cantos do país. O mercado de odontologia estética cresceu 300% desde 2017, com procedimentos de clareamento, colocação de lentes de contato dental e uso de botox.
Este oceano de corpos sarados e sorrisos cintilantes costuma ser divulgado de forma amplificada e maciça nas mídias sociais. Estudos demonstram que o Instagram é a rede social mais deletéria para a saúde mental, especialmente entre crianças e adolescentes. Um dado surpreendente: meninas por volta dos 5 anos de idade já percebem claramente que as colegas que destoam do padrão estético, por vezes inatingível, são estigmatizadas. Essa pressão social fará boa parte das mulheres se sentirem feias pelo resto de suas vidas, sendo que algumas delas desenvolverão transtornos alimentares, depressão e ansiedade. Esta “feiura” estrutural, tipicamente feminina roda a máquina do mercado da insatisfação corporal.
E como a medicina responde a esse fenômeno? Mundialmente, profissionais, recursos e pesquisas acadêmicas do campo da dermatologia clínica – especialidade que cuida de doenças dermatológicas graves como psoríase, pênfigo (conhecido como “Fogo Selvagem”) e câncer de pele – tem migrado, significativamente, para a dermatologia cosmética.
A escolha dos médicos recém-formados por áreas básicas como pediatria, clínica médica e gineco-obstetrícia está em queda no Brasil já há algumas décadas. Somos igualmente, campeões em cirurgia bariátrica e cirurgia plástica, muitas vezes, indicadas de forma precoce ou realizadas em condições pouco seguras. O mercado do narcisismo consumerista dita as regras e a saúde se subordina ao mote de que o cliente sempre tem razão.
A maneira como nos comportamos enquanto consumidores no mercado da saúde e bem-estar fala sobre um novo Brasil, inculto, individualista e mais voraz, que substitui a sensualidade brejeira de outrora por uma reificação erótico- biônica dos indivíduos. A partir do momento em que nos tornamos meramente produtos na prateleira das redes sociais, nos afogamos no lago de Narciso enquanto somos consumidos pelas engrenagens do dia-a-dia. “Bonitinhos, mas ordinários”, no sentido do trivial, do banal e do superficial.
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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.
Sobre o autor: Rodrigo Fonseca Martins Leite é médico psiquiatra pelo IPq HCFMUSP, mestre em políticas públicas e serviços de saúde mental, produtor da mídia social “psiquiatra da sociedade”.