A mentalidade do futuro
Por Valdir Cimino e Mary Prieto
O pensamento prescreve ações, quer estejamos conscientes disso ou não. É a força daquilo que acreditamos que nos move a aceitar ou lutar contra determinadas questões humanas – que nunca são isoladas – e permanecer em constante transformação da percepção comum. Por isso a força do que acreditamos precisa ser firme.
Mais firme do que algumas sugestões ideológicas que passam e não vingam (tal qual o negacionismo científico ou políticas autoritárias e militares) e mais firme do que o cansaço perigoso que gera o conformismo.
“Que tempos são esses em que temos que defender o óbvio?” A pergunta feita por Bertold Brecht ecoa e nos parece familiar. Só nos últimos anos tivemos que defender que a terra é redonda, que a História nos currículos escolares importa, que a Amazônia é nossa e que a vacina salva vidas.
Cansaço e espanto? Sem dúvida. Mas continuaremos defendendo o óbvio tanto quanto for preciso, porque se trata de uma base encontrada com estudo e competência, a partir da qual queremos evoluir e jamais regredir, ainda que por vezes o óbvio demore para se tornar claro.
Quando, por motivos de força maior – como a pandemia – , alguns óbvios se tornam não só claros, mas urgentes, então não basta que sejamos firmes: precisamos ser também corajosos.
Está claro nesse momento que não há mais meios de sustentar arrogâncias ou pensamentos individualistas, e é urgente que os paradigmas do individualismo – em todo o seu funcionamento socioeconômico seja alterado para pensar no bem coletivo.
Para tanto, já estamos sendo corajosos em respeitar o isolamento, em adaptar rotinas de trabalho e mais ainda, a resistir em meio a tantas crises. Mas é preciso ainda mais: é preciso que a atividade mental esteja pelo menos parcialmente isenta do egoísmo, caso contrário, continuaremos no mesmo lugar, defendendo óbvios que sequer precisam de argumentos.
A mentalidade do futuro também pressupõe a compreensão de que somos parte do todo e não superiores ao inerente equilíbrio que está na natureza. Que a natureza, como organização exterior, reflete a estrutura e densidade manifesta do que criamos em pensamento.
Se estamos individualmente desequilibrados, como poderia a natureza estar em ordem? Os pensamentos necessitam então de um redirecionamento: parar de se guiar em termos de defesa e ataque – comportamento individualista – e não se deixar arrastar pelo ego, cujo objetivo é fortalecer apelos pessoais.
Isso posto, fica ainda mais claro que, de uma forma ou de outra, não temos mesmo como nos defender individualmente da ameaça que for (nem do vírus!) e que, precisando contar uns com os outros, estamos até agora semeando vento e colhendo tempestade.
A solução pode vir pelo pensamento que entende a força do seu lugar e criação, e usa isso como ferramenta de solidariedade. Continua Brecht, refletindo:
“Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranquilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?
É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: “Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!
Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.
(…)
As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
(…)
E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência”.
Brecht diz com esperança: quando chegar o tempo. A questão é que o tempo já chegou e não espera. Atrasados estamos nós, em termos de humanidade, para combater muitos tipos de miséria, doenças e mortes.
Estamos atrasados porque também temos que defender o óbvio. Mas o mais óbvio e urgente agora é que temos que mudar a nós mesmos – sem defesas ou desculpas – para o bem do todo. E a pergunta que resta para que a mentalidade do futuro nos possa renovar e ajudar a progredir é: o que posso fazer de bom hoje que não seja só por mim?