A Hora é agora
Por Milton Flávio
A discussão da reforma tributária na Câmara Federal reacendeu o debate sobre a tributação dos alimentos ultraprocessados(AUPs) dando força aos que defendem a inclusão desses alimentos na lista dos produtos sujeitos a uma tributação mais elevada, o chamado imposto seletivo. A lista inclui refrigerantes, salsichas e salgadinhos de pacote ricos em sal, açúcares, gorduras, além de aditivos químicos. Argumentam que esses alimentos não deveriam beneficiar-se de alíquotas reduzidas oferecidas aos itens da cesta básica, pelos notórios e comprovados danos à saúde dos indivíduos.
Em 2019, o renomado cientista brasileiro Carlos Monteiro e colaboradores propuseram um novo sistema de classificação denomidada “NOVA“, que separa os alimentos e bebidas em quatro grupos em decorrência da extensão e finalidades do processamento:
1- alimentos in natura/minimamente processados; 2-ingredientes culinários processados; 3- alimentos processados; 4- os alimentos ultraprocessados. Estes seriam alimentos formulados a partir de substâncias de baixo custo, derivados dos alimentos do grupo 1, sem nenhum ou poucos alimentos integrais e contendo sempre substâncias comestíveis e/ou aditivos cosméticos como saborizantes, emulsificantes, corantes, etc.
Estes alimentos ultraprocessados são produzidos por empresas privadas que visam maximizar seu lucro. As empresas internacionais de alimentos adquirem os alimentos naturais onde o preço é menor, agregam ingredientes onde há vantagens de preço e/ou fiscais, comercializando o produto em todo mundo.
Com este modelo tivemos uma mudança radical no perfil da oferta de alimentos e também na forma de propaganda utilizada, o que pode explicar o crescimento substantivo da obesidade em quase todas as regiões do mundo, excetuando-se o sudeste asiático e a África Subsaariana, onde a desnutrição continua a representar um grave problema de saúde pública. Nas demais regiões a obesidade tem sido considerada, a partir dos últimos anos, o primeiro ou maior desafio dos especialistas na área da nutrição.
Em março de 2022, pouco antes de 4 de março, o Dia Mundial da Obesidade, a Organização Mundial de Saúde (OMS), apresentou os resultados de um estudo internacional sobre a obesidade e, com base no peso e altura de 222 milhões de indivíduos estimou que havia no mundo cerca de 1 bilhão de pessoas com obesidade. As conclusões apresentadas em março na revista The Lancet mostram que, hoje, 12.5% da população mundial está obesa. Este estudo abrangeu 190 países e envolveu cerca de 1,5 mil pesquisadores, entre eles brasileiros.
Nos últimos anos a população mundial cresceu 51%, foi de 5,3 bilhões para 8 bilhões de indivíduos, enquanto a obesidade aumentou 360%. Dos atuais 1,04 bilhão de indivíduos com obesidade, 159 milhões são crianças e adolescentes (15%). As mulheres dobraram sua média (de 8,8% para 18,5%) e os homens triplicaram seus números (de 4,8% para 14%). Entre as crianças houve um aumento de quatro vezes na faixa etária estudada (de 5 aos 19 anos). Em 1990 a proporção de meninas com obesidade era de 1,7% e chegou a 6,9% em 2022. Nos meninos foi de 2,1% para 9,3%.
No Brasil a obesidade é igualmente relevante e os números mostram uma proporção de pessoas obesas maior do que a média mundial. De 1990 a 2022 passamos, nos adultos de 11,9% para 32% entre as mulheres e de 5,8% para 25% entre os homens. Nas crianças e adolescentes a taxa passou de 3,1% ,para ambos os sexos , para 14,3% entre meninas e 17,1% entre os meninos.
Como em outras doenças a obesidade crônica resulta de uma interação entre genes e os hábitos e condições de vida das pessoas, mas, levando uma vida saudável e exercitando-se regularmente, poucos terão um ganho de peso excessivo. Na população em geral a obesidade está associada a uma ingestão exagerada e/ou a disponibilidade maior de alimentos muito calóricos.
Em grande parte, esses números têm relação com a revolução na ciência dos alimentos e no mercado varejista, o que causou um aumento importante na fabricação e no consumo dos alimentos AUPs.
O fato de uma proporção maior de pessoas conviver com a obesidade precocemente preocupa os especialistas porque o tempo de exposição favorece o desenvolvimento de doenças e o agravamento das doenças pré-existentes.
O Atlas Mundial da Obesidade, lançado pela Federação Mundial da Obesidade (WOF)em 2024, estima que 42% da população mundial adulta está com sobrepeso em 2020 e as projeções apontam para que o número chegue a 54% em 2035% (3,3 bilhões). O custo estimado de gastos com a saúde e a perda de produtividade é de US$ 4 trilhões por ano à economia mundial.
O uso de rotulagem frontal de advertência ajuda os consumidores a identificar com facilidade e rapidez alimentos e bebidas não saudáveis e a fazer escolhas mais adequadas dos produtos disponíveis. O marketing de junk foods e bebidas açucaradas direcionada a crianças e adolescentes é amplamente reconhecido como um grande causador de doenças crônicas não transmissíveis e um dos maiores fatores para o crescimento do consumo de AUPs nos mercados de todo o mundo. Sua restrição tem produzido resultados importantes onde essas medidas foram adotadas.
Muitos países e estados em todo o mundo já começaram a produzir políticas para melhorar a qualidade alimentar e a saúde de suas populações buscando reduzir a demanda com desincentivos a compra de alimentos e bebidas não saudáveis. Mais de 50 deles instituíram impostos sobre bebidas açucaradas, energéticas ou junk foods. Há evidências de que esses impostos ajudam a reduzir as compras e ingestão destes produtos e a migração para alternativas saudáveis.
O Brasil, um dos signatários do Plano de Aceleração da OMS-2022 para a redução da obesidade, em tempos de reforma tributária, tem uma oportunidade especial para trilhar este bom caminho.
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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.
Sobre o autor: Milton Flavio é professor aposentado da Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP, ex-subsecretário de Energias Renováveis do Estado de São Paulo, e hoje é Assessor da Presidência da FAPESP.