Voluntariado, trabalho por prazo ou efetivado: os prós e contras de cada modelo de trabalho nas organizações sociais
Por Edmond Sakai
O trabalho voluntário é muito importante para as organizações sociais, mas essa modalidade tem limitações. Com a necessidade de profissionalização de gestão, as organizações precisam, cada vez mais, de modelos híbridos. Mesclar posições efetivadas, onde é preciso ter uma visão estratégica de longo prazo; contratos por tempo limitado, para projetos com escopos específicos e um voluntariado que pense em impacto efetivo no trabalho, é um bom caminho.
A pandemia da COVID-19 demonstrou a importância que as organizações sociais têm na complementação da ação do Estado em atender aos mais necessitados, especialmente em momentos de crise como ainda vivemos. Infelizmente, como também já falei aqui, casos de corrupção em convênios entre entes públicos e OSs durante a pandemia reforçam uma percepção, em grande parte equivocada, de que a maioria das ONGs seriam corruptas ou que estariam envolvidas em esquemas escusos.
A profissionalização de gestão dessas organizações é um passo essencial para que o Terceiro Setor ganhe mais credibilidade em nossa sociedade e provoque mais impacto positivo na vida das pessoas. Já falei aqui também como as organizações sociais podem aprender com o setor privado a aprimorar suas políticas e práticas de gestão de pessoas, e agora vou me aprofundar um pouco em um aspecto específico da gestão de pessoas: os impactos – em sentido amplo, não apenas financeiro – de uma organização ter como principal força de trabalho uma equipe profissional contratada ou que a “mão na massa” seja feita principalmente por apoiadores e trabalhadores voluntários.
Existem prós e contras em cada modelo, e é perfeitamente possível criar um sistema “híbrido”, com parte da equipe sendo contratada e parte voluntária. Com a profissionalização e evolução na gestão das organizações sociais brasileiras, o voluntariado passou a sofrer uma certa restrição por confundir-se com um trabalho pouco profissional e de baixa efetividade. Mas, embora isso possa ocorrer, minha experiência é bem diferente. Em diversas ONGs onde trabalhei a atuação dos voluntários é fundamental no operacional e acreditem, o entusiasmo e dedicação deles é contagiante. Tanto que sempre atuei como voluntário e recomendo a experiência para todos.
Faço uma nota: as “boas práticas” ensinam que a captação de recursos não pode ser liderada por voluntários. Os voluntários podem sim ajudar em eventos de arrecadação beneficentes ou abrir portas de empresas/HNWIs (high-net Worth individuals), mas não deveriam ser os responsáveis em última instância. Isto porque tais ações demandam tempo, dinheiro e recursos que são valores inerentes a profissionais remunerados.
O voluntariado está na base e na origem do Terceiro Setor em que as organizações sociais surgiram para complementar o Estado, sempre deficiente em atender uma população majoritariamente pobre e vulnerável. Muitas vezes, tem sua origem em ordens religiosas e iniciativas da Igreja, em que fiéis dedicam tempo e esforço a ajudar o próximo movidos pela fé. Nas últimas décadas, esta prática evoluiu, e hoje milhões de pessoas não necessariamente religiosas, mas impulsionadas de alguma forma por um senso de missão e de ajudar a melhorar o mundo, dedicam parte do seu tempo a uma atividade voluntária.
As políticas de gestão de voluntariado, criação de um “job description”, o estabelecimento de metas, de expectativas, de comunicação, de técnicas motivacionais, treinamento, mensuração de resultados, de avaliação e de reconhecimento, ajudam os voluntários a obterem alta efetividade em sua atuação.
Importante lembrar que supervisionar, profissionalmente, voluntários é uma arte baseada em quatro princípios: (i) voluntários são na prática staff; (ii) ter um corpo de voluntários significa que a ONG tem que investir financeiramente para poder ter um programa de voluntariado; (iii) supervisionar significa criar e manter relações pessoais; e (iv) as funções de um supervisor – que é um profissional remunerado – podem ser compartilhadas com voluntários.
As relações de trabalho nas organizações sociais brasileiras também sofrem historicamente com os conflitos da legislação trabalhista e com o alto grau de informalidade. Mas isto vem evoluindo bastante, com as reformas que abrem espaço a contratos de trabalho mais flexíveis. Boa parte das organizações trabalham baseadas em projetos com escopos definidos, e a legislação tem acompanhado essa possiblidade. Este artigo explica as possibilidades de contratação pela lei trabalhista.
De qualquer forma, as organizações precisam ter uma gestão mais permanente, para além dos projetos com escopo por tempo definido, e para isso, alguns cargos de gestão devem ser ocupados por pessoas com comprometimento a longo prazo com a organização, com plano de carreira e contratos formalizados pela CLT. Esse sistema híbrido, com parte efetivada, parte trabalhando por projeto e com os voluntários ainda cumprindo um importante papel nas pontas, a meu ver, é o ideal para boa parte das organizações, claro que levando em consideração as especificidades de cada uma. Quando se pensa em custos, é preciso pesar também a efetividade de cada perfil de profissional. Muitas vezes, como se diz popularmente, “o barato sai caro”.
Sobre o autor: Edmond Sakai é diretor regional da Sede Mundial da ONG internacional médica Operation Smile. É advogado e professor universitário. É mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo e mestre em Administração de ONGs pela Washington University in St. Louis, EUA. Foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de São Paulo.
*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.