Especialistas falam sobre como inovar na captação de recursos
Entre pontos debatidos estão perfil do público, engajamento virtual e importância dos canais de comunicação
Por Caio Lencioni
Realizado em São Paulo, o Festival ABCR 2018 reuniu diversos especialistas para falar sobre um assunto importante no setor: a captação de recursos.
A pesquisa ‘Práticas de Marketing e Comunicação para a Captação de Recursos’, realizada pela ABCR, a ESPM e o Instituto Ipsos, aponta a comunicação e o marketing como principais pontos para garantir uma boa captação de recursos, já que é por meio da comunicação que a sua causa ganhará notoriedade.
O estudo teve como base sete organizações sem fins lucrativos de causas variadas “com comunicação e captação de recursos bem estruturadas e um alto reconhecimento público”: AACD, APAE, Fundação Abrinq, Instituto Ayrton Senna, Liga Solidária, Make-A-Wish e SOS Mata atlântica.
A partir disso, foi avaliada a relação entre o sucesso da organização e alguns pontos: causa, história/tradição, qualidade/impacto, credibilidade, inovação e gestão. A causa é apontada pelo estudo como uma das principais protagonistas para o crescimento da organização, já que a sensibilização do público é essencial para que se garanta as doações.
O professor de Filosofia Marcos da Silva e Silva, da ESPM, disse que é importante mostrar a causa da entidade para que a missão da mesma seja disseminada. Com isso, ele exemplifica a importância de se espalhar ato através de um provérbio.
“Um provérbio bíblico diz que aquilo que tua mão direita der, que sua mão esquerda não veja. Ou seja, caridade você não diz para ninguém. No nosso caso, não é caridade e sim causa. Então o que a mão direita der, a mão esquerda e todo mundo tem que ver”. Marcos ainda completa que a causa está vinculada à transformação, por isso deve ser comunicada.
Qualidade da comunicação e da captação de recursos
Com o objetivo de compreender o funcionamento e o impacto da comunicação externa na captação de recursos, a pesquisa entrevistou 103 ONGs e dois negócios de impacto social que receberam consultoria da ESPM Social entre 2011 e 2017.
Nessa amostra, entre as quatro definições para categorizar a comunicação externa, mais de 50% das organizações foram classificadas como “falhas”, por fazerem mal uso das plataformas utilizadas e terem esse departamento mal estruturado.
Para captação de recursos, mais de 40% das entidades da pesquisa possuem um departamento mal estruturado e não possuem doadores.
Em relação à abordagem para captar recursos de maneira mais efetiva, o doador pessoa física foi vinculado ao apelo emocional e e ao storytelling (contação de histórias). Já o doador pessoa jurídica, ao apelo racional e à garantia dos investimentos que serão realizados.
Daniel Tuler, que faz parte da ESPM Social, diz que, apesar de o doador pessoa física estar atrelado a tópicos diferentes do doador pessoa jurídica, não se deve encarar as associações como receita. “É importante saber que o doador físico também se interessa pela transparência. Ele quer saber para onde vai o dinheiro. Assim como o doador jurídico em relação ao storytelling”.
A também integrante da ESPM Social, Julia Croco, aponta que no site da entidade deve ter todas as informações institucionais, além do botão de doação, que deve ser de fácil acesso.
“Os resultados também devem estar no site da organização, tanto de forma qualitativa, em relação aos projetos da entidade, como de forma numérica, que é a comprovação que a ONG está atingindo resultados”.
Julia diz que os dois pontos citados acima são os principais agentes para o fortalecimento da marca da organização, mas que também é preciso prestar atenção em outros agentes para a consolidação.
“A marca é a principal contrapartida da entidade para buscar possíveis parcerias. Com isso, os próprios parceiros auxiliam no fortalecimento da entidade, já que as pessoas começam a associar a ONG à marca do parceiro”.
Inovação na captação de recursos
A palestra ‘Liderança para Inovação em Mobilização de Recursos’ teve como convidados Marcelo Iniarra, da agência Chaxcha; Regina Gerbi, da Unicef; e Flávia Tenenbaum, da Médico Sem Fronteiras.
Flávia diz que as estratégias para o crescimento da organização não precisam ser necessariamente inovadoras. O importante é que elas funcionem. Para ela, o desafio das entidades no momento é acompanhar todas as tecnologias sem perder o rumo da estratégia que já está funcionando.
Marcelo Iniarra também comenta sobre esse novo momento da tecnologia, com o celular constantemente em nossas mãos. “As pessoas combinam (pelo celular) de se encontrarem para fazer uma passeata. Com esse aparelho, qualquer pessoa pode ser um ativista ou defender os refugiados”.
Com isso, ele diz que é necessário engajar as pessoas, de modo que esse engajamento se adeque ao atual momento da tecnologia. “Se muitas pessoas querem baixar o seu aplicativo, por exemplo, a plataforma vira uma tendência”.
Além da organização virar uma “tendência”, Iniarra diz que é importante sempre investir em inovação, para que a sua entidade consiga atender continuamente as expectativas do público.
É possível, no entanto, que os doadores não aceitem num primeiro momento a proposta de inovação da entidade. Regina Gerbi diz que é importante esse momento da ação, pois é a hora de se realizar testes.
“A gente pensa numa inovação e, por mais simples que seja, é necessário testá-la. Talvez uma parte não aceite, mas temos que perceber o funcionamento do teste dentro da porcentagem da audiência que aceita a inovação”.
Flávia Tenenbaum exemplifica a questão de públicos diferentes da entidade ao citar o envio de uma revista para os doadores, como uma forma de prestar contas – além do relatório anual.
“O pessoal da área de marketing digital dizia que o nosso público reclamava muito da revista. E a questão é que muitos dos nossos doadores não usam nem e-mail e não querem ser digitais. Temos que respeitar esse público”, explica.
O medo de inovar
Iniarra diz que cada organização tem um alcance mais abrangente. Ele cita a Médico Sem Fronteiras como exemplo, já que “todos entendem a proposta da entidade”, mas diz que para inovar é necessário encontrar talentos para cada setor da organização.
Já Flávia explica que é necessário encontrar o nicho dos seus doadores. “Sempre há pessoas que querem doar. Às vezes alcançar um outro público pode não ser uma boa estratégia, mas sim continuar a interação com o público que quer doar”.
Ao achar o perfil da pessoa que doará para a entidade, Flávia diz que é necessário replicar para esse nicho.
Regina Gerbi destaca que é muito importante investir recursos financeiros para captar. “Nós precisamos saber vender o nosso programa para os nossos diretores. Com isso, precisamos conscientizá-los que é necessário investir na entidade para captar, seja em recursos humanos ou em testes para encontrar a própria audiência”.
Além disso, Regina enfatiza a importância de se engajar os próprios participantes da organização para que todos entendam a relevância de se investir a médio e longo prazo.
Para Ader Assis, cofundador da agência Ader&Lang, o grande desafio ao fazer consultoria para grandes organizações é convencer a direção da entidade que é necessário investir a longo prazo. “O crescimento não acontecerá imediatamente”, aponta.
A importância da transparência
Na palestra ‘Relatórios/Resultados: como engajar e fidelizar doadores para sua causa’, realizada por Mônica de Roure, Vice-Presidente e Diretora de Relações Institucionais da Brazil Foundation, foi mencionada a importância da relação com os investidores e os relatórios da organização.
Mônica diz que o relatório de resultados mostrando o impacto da organização não deve ser entregue fora do prazo. Além disso, não se deve fazer o investidor “correr atrás” do relatório. Esses dois pontos são essenciais para que se construa uma imagem positiva da organização e um relacionamento benéfico com o investidor.
Em casos de crise que possam atrapalhar o negócio, Mônica diz que deve-se fazer um relatório de resultados até o ponto em que a crise tenha começado. Desse modo, o investidor tem noção do problema e o investimento pode ser retomado quando o projeto for viável.
Além disso, a vice-presidente também diz que os relatórios de gestão são importantes para a organização. “Se não houver um bom relatório, não haverá recursos para investir em outros projetos”, alerta.
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12/06/2018 @ 15:43
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