Copa do mundo: Mulheres e futebol – dentro e fora do campo
Não vou tratar a respeito do futebol feminino. Sobre isso, poderia mencionar, por exemplo, que se para um menino é difícil jogar futebol e chegar a ser profissional, imagine para uma menina. Pouco investimento, quase nenhum reconhecimento social, preconceitos, estigmas sobre orientação sexual.
O Brasil do futebol é visto como masculino e, nesta modalidade, participou de todas as edições, foi o maior vencedor de todos e busca o hexa.
O futebol feminino brasileiro também participou de todas as edições da Copa feminina. É a melhor seleção da América do Sul, Marta é a melhor e mais reconhecida jogadora de futebol do mundo, eleita 5 anos seguidos pela FIFA. Na Copa América o Brasil já é hexa. Você sabia?
A cidade do rei Pelé é Três Corações, a da Marta, Dois Rios, mas não é só aí que a jogadora tem números a menos. Já comparou os salários da camisa 10 com o do camisa 10 da seleção?
“Você é uma mulher.
Você é uma jogadora de futebol.”
Estas são frases que Marta tem que repetir a si mesma, diariamente, para dar conta, superar rejeições, comentários maldosos, discriminações, sexismo.
Mas não é sobre futebol feminino, sobre suas dificuldades, nem sobre os números a menos das mulheres, também neste setor, que quero tratar hoje. Não é sobre jogadores, é sobre torcedores.
Como é muito difícil ser jogadora de futebol, mesmo amando o esporte, algumas de nós se limita a torcer. Porém, o ambiente dos torcedores ainda é, predominantemente, masculino.
E daí?
Daí que, a educação sexista que ainda temos, relega à mulher um espaço diferente daquele ocupado pelo homem.
Partindo do pressuposto de que todo espaço é educador, já visitou quartos de meninos e de meninas, foi à brinquedoteca de uma escola? E já reparou numa loja de brinquedo? Sabe que ela ainda é dividida entre coisas de menino e coisas de menina? Adivinha em que setor está a bola de futebol?
Então, vamos educando para o fato de que futebol é coisa de menino.
Mais grave que isso é quando se educa para que menina seja coisa.
E que menina seja coisa de menino.
Objeto mesmo, sabe?
Menina é passível de burlas. E se for em grupo, mais motivos de risadas. E se for filmado e passado em rede mundial? Muito melhor. Mais o sujeito se afirma como homem!
A educação ainda reproduz esta sociedade sexista quando convence o menino de que isso ou aquilo não é coisa de homem, chorar é para os fracos, ser gay é ser menos, ser menina é ser frágil, menina depende de menino.
Todos estamos em condição de vítima por imposição de adultos com poder.
Desde 1979 a ONU debate a equidade entre homens e mulheres. Quase 40 anos e a educação ainda não está estruturada para resolver este dilema.
Até quando? Quantas mais? Quantas a menos?
Muitos foram os casos de assédio e sexismo registrados contra mulheres, pela ONG Fare Network, parceira da FIFA, durante a Copa do Mundo de 2018. E os casos não registrados? Ainda há muitas de nós, mulheres, que não denunciam, que têm vergonha da exposição, sentem medo e até culpa, dão desculpas.
Construímos nossa identidade na relação com o outro. Se este outro nos trata como igual, somos fortalecidos e fortalecidas, somos capazes de fortalecer. Não se pode reforçar ou perpetuar diferenças como se isso fosse o normal, o natural.
Se este outro nos oprime, o medo maior é que nos tornemos também opressores, e isso ocorre, não raro, com algumas mulheres. Freire, ao tratar sobre a relação entre opressor e oprimido, cuidava do contexto social, que pode ser estendido a esta questão sexista, ou da supremacia masculina.
“Há, por um lado, em certo momento da experiência existencial dos oprimidos, uma irresistível atração pelo opressor. Pelos seus padrões de vida. Participar destes padrões constitui uma incontida aspiração. Na sua alienação querem, a todo custo, parecer com o opressor. Imitá-lo. Segui-lo.” (FREIRE, 2016, p. 91).
Isso explica o motivo pelo qual algumas mulheres, em lugar de defender as outras, assumem posturas de rivalidade, de ciúme e de competição. Caímos na cilada e passamos a nos ver no que nos fragmenta e nos difere e não no que nos une e nos iguala, nossa humanidade.
Sexismo significa atitude de discriminação fundamentada no sexo, é o ato de discriminação e objetificação sexual. É reduzir alguém ou um grupo por seu gênero ou orientação sexual. Sororidade é a união e aliança entre mulheres, relação baseada na empatia, no companheirismo, em busca de alcançar objetivos em comum.
Se há algo que podemos aprender com uma copa, é que todos juntos, todas juntas, somos mais e podemos ir mais longe por um mundo sem sexismo e com mais sororidade, por mais humanidade. Um mundo mais humano, entre pessoas que convivem como iguais.
Se você ficou preocupado ou preocupada com a situação da seleção masculina na copa, saiba que isso não é o maior de nossos problemas. Em questão de igualdade de gênero, por exemplo, o Brasil que ocupava a posição 67 no ranking, agora ocupa a posição 90. E sempre podemos piorar, ou melhorar, dependendo de quem elegemos como representante político, não é mesmo?
Referências e sugestões para avançar na temática:
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 60ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016, p. 91.
Cadernos de práticas de empoderamento feminino. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/caderno_meninas_web.pdf>. Acesso em: 12/07/2018.
Guia Prático sobre Ensino e Educação com Igualdade de Gênero. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/comueduc/article/view/36293> Acesso em: 12/07/2018.
Poesia de Victor Hugo. Cabe notar como a mulher está em posição inferiorizada em um texto com predomínio da linguagem poética. Disponível em: <http://www.citador.pt/textos/o-homem-e-a-mulher-victor-marie-hugo>. Acesso em: 12/07/2018.
Texto sobre Educação não-sexista. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/educacao/por-uma-educacao-naosexista.htm>. Acesso em: 12/07/2018.
Matéria sobre sexismo na copa do mundo da Rússia. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2018/07/fifa-registra-30-casos-de-sexismo-na-copa-do-mundo-na-russia.shtml>. Acesso em: 12/07/2018.
ONG Fare Network, ligada à FIFA denuncia sexismo e assédio durante a copa – matéria exibida pelo Jornal da Globo no dia 11/07/2018. Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/6865943/>. Acesso em 12/07/2018.
Artigo sobre sexismo e educação. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer – Goiânia, vol.6, N.11; 2010. Disponível em: <https://www.conhecer.org.br/enciclop/2010c/praticas%20sexistas.pdf>. Acesso em: 12/07/2018.
Definição da palavra sexismo. Disponível em: <https://www.significados.com.br/sexismo/>. Acesso em: 12/07/2018.
Documentário sobre igualdade de gênero – O paradoxo da igualdade. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=G0J9KZVB9FM>. Acesso em: 12/07/2018.
Reportagem sobre países com maior igualdade de gênero. Disponível em: <https://epocanegocios.globo.com/Carreira/noticia/2017/11/os-paises-com-maior-igualdade-de-genero-no-mundo.html>. Acesso em: 12/07/2018.
Reportagem sobre Ranking de igualdade de gênero. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/brasil-cai-para-a-90-posicao-em-ranking-de-igualdade-entre-homens-e-mulheres.ghtml>. Acesso em: 12/07/2018.