Banco do Brasil é alvo de inquérito sobre sua participação na escravidão
O Ministério Público Federal (MPF) notificou o Banco do Brasil (BB) sobre a abertura de um inquérito civil público que pretende investigar o envolvimento da instituição na escravidão e no tráfico de cativos africanos durante o século 19.
O Ministério Público Federal (MPF) notificou o Banco do Brasil (BB) sobre a abertura de um inquérito civil público que pretende investigar o envolvimento da instituição na escravidão e no tráfico de cativos africanos durante o século 19.
O Banco do Brasil foi fundado em 1808, através de um decreto do príncipe-regente Dom João VI. Foi o primeiro banco em território nacional e surgiu a partir de um conjunto de ações que tinham como objetivo incentivar a industrialização manufatureira e também a importação e exportação de produtos.
A ação, inédita no país e obtida visa iniciar um movimento de cobrança por reparação histórica de grandes e centenárias instituições brasileiras – estatais e privadas – que de alguma forma tenham participado ou fomentado a escravidão no país.
O inquérito foi proposto por um grupo de 14 historiadores de 11 universidades, que pesquisaram e escreveram um texto sobre o que se sabe da relação do Banco do Brasil com a economia escravista e seus negociantes.
Nos últimos cinco meses, os historiadores pesquisaram em arquivos públicos a participação de escravocratas e traficantes na fundação e estabelecimento do Banco do Brasil como a maior instituição financeira do Império.
Eles descobriram, por exemplo, que entre os fundadores e acionistas do BB estavam alguns dos mais notórios traficantes de escravizados da época – entre eles José Bernardino de Sá, tido como o maior contrabandista de africanos do período.
Três procuradores aceitaram a sugestão e elaboraram uma ação com o objetivo de fazer com que o banco estatal reconheça e tome medidas para investigar e tornar públicas suas ações durante a escravidão.
Entre essas ações, está o financiamento, em um primeiro momento, de pesquisas acadêmicas sobre o assunto para que, no futuro, possa bancar projetos de reparação e políticas públicas voltadas à comunidade negra.
“O debate sobre reparação está acontecendo no mundo inteiro. Da nossa parte, queremos aprofundar a discussão com o Banco do Brasil e com a sociedade para que essa história não seja mais silenciada”, diz Julio Araujo, procurador regional dos direitos do cidadão do MPF, que assina o despacho com outros dois colegas, Jaime Mitropoulos e Aline Caixeta.
“O que existe hoje é uma naturalização do papel de várias instituições brasileiras nesse período. Essa é uma discussão importantíssima a ser encarada: até que ponto cabe a reparação histórica e qual é a melhor maneira de fazê-la?”, questiona o procurador.
A escravidão é considerada um crime contra a humanidade. Por isso, não prescreve e permite que ações relacionadas ao período ainda possam correr na Justiça.
Instituições de alguns países, como universidades e bancos nos Estados Unidos e Inglaterra, têm reconhecido seu papel na escravidão e criado medidas de reparação, que vão de fomento a pesquisas acadêmicas e indenizações.
No documento enviado ao Banco do Brasil, o MPF estipulou um prazo de 20 dias para a presidência da instituição responder a uma série de questões:
“A posição do banco sobre sua relação com o tráfico de pessoas negras escravizadas”, “informações sobre financiamentos realizados pelo banco e relação com a escravidão”, “informações sobre traficantes de pessoas escravizadas e sua relação com o banco” e “iniciativas do banco com finalidades específicas de reparação em relação a esse período”.
Os procuradores também solicitaram uma reunião com a direção do BB para discutir medidas de reparação histórica no dia 27 de outubro, no Rio de Janeiro. Também convidaram para o encontro o grupo de historiadores que propôs a ação e membros dos ministérios de Direitos Humanos e Igualdade Racial.
Segundo Julio Araujo, o inquérito civil “é diferente de uma investigação tradicional”, e pode terminar em um acordo, Termo de Ajuste de Conduta (TAC) ou mesmo uma ação judicial contra o banco caso a instituição se recuse a discutir o tema. “É imprevisível, não sabemos qual o rumo ele pode tomar, mas queremos uma resposta do banco”, afirma o procurador.
O BB enviou uma nota afirmando que pretente colaborar com o MPF. “O Banco do Brasil está à disposição do Ministério Público Federal para continuar protagonizando e envolver toda a sociedade na busca pela aceleração do processo de reparação”.
Fonte: BBC Brasil