Fundos patrimoniais filantrópicos avançam e apontam caminho para a consolidação da cultura de doação no Brasil
Estabelecidos e reconhecidos por sua capacidade de mobilizar recursos em vários países, notadamente nos Estados Unidos, onde respondem pelo financiamento de grandes universidades, como Harvard, Stanford e Yale, para citar apenas alguns exemplos, os endowments, ou fundos patrimoniais filantrópicos, vêm ganhando maior visibilidade no Brasil desde sua regulamentação por meio da Lei 13.800/2019. Atualmente, segundo o Monitor de Fundos Patrimoniais no Brasil, iniciativa do IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social) e da Coalizão pelos Fundos Filantrópicos, o país conta com 106 fundos do gênero, com um patrimônio próximo a R$ 120 bilhões – a soma norte-americana atinge cerca de US$ 50 bilhões. Globalmente, estima-se que os endowments tenham sob sua gestão um montante na casa de US$ 1,5 trilhão.
Independentemente do volume de valores movimentados, ainda que eles sejam de vital relevância para a amplificação de seus resultados, o mérito dos fundos patrimoniais está ancorado em uma dinâmica que responde à questão fundamental para a consolidação da filantropia sustentável: a garantia de uma fonte de rendimento estável e perene, capaz de assegurar apoio a causas e ações a longo prazo. Isso porque trata-se de fundos, constituídos por doações tanto de pessoas físicas quanto jurídicas, investidos no mercado financeiro e cujos rendimentos são regularmente revertidos para propósitos e entidades específicas – a lei brasileira estabelece que o mecanismo pode apoiar organizações públicas ou privadas sem fins lucrativos, “relacionadas à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação, à cultura, à saúde, ao meio ambiente, à assistência social, ao desporto, à segurança pública, aos direitos humanos e a demais finalidades de interesse público”.
A despeito de os fundos patrimoniais ainda não terem atingido internamente a popularidade que têm no exterior, onde, para além de instituições educacionais, contribuem também com organismos culturais de renome internacional, como o Museu do Louvre, em Paris, e o The Metropolitan Museum of Art, em Nova York, além de organizações como Bill & Melinda Gates Foundation e The Rockefeller Foundation, é inegável que o instrumento vem avançando no Brasil com a criação ou aperfeiçoamento de estruturas para viabilizar a captação e a gestão de doações.
Como resultado, os grandes bancos do país administram importantes fundos patrimoniais filantrópicos, alguns deles criados antes mesmo da regulamentação de 2019, assim como universidades, responsáveis por iniciativas tais como Amigos – Direito UERJ, Fundo Centenário (Escola de Engenharia da UFRGS) e Fundo Patrimonial Amigos da Poli (Escola Politécnica da USP). Há 25 anos trabalhando para a transformação social do Brasil, a BrazilFoundation, por exemplo, tem hoje o endowment como uma ferramenta essencial para o apoio a mais de 150 Organizações da Sociedade Civil (OSCs). Até o fim de 2025, a entidade projeta chegar a um total de US$ 25 milhões exclusivamente para esse fundo.
Nesse contexto, em que as potencialidades dos fundos patrimoniais filantrópicos já comprovaram sua força globalmente, a legislação brasileira trouxe importantes avanços à prática, principalmente no que diz respeito à segurança jurídica, deixando, no entanto, alguns entraves para sua ampliação no caminho. Entre eles, destacam-se os vetos à possibilidade de que fundações de apoio de universidades e demais centros de ensino e pesquisa fossem equiparados às gestoras de fundo patrimonial, à permissão de que as associações e fundações já constituídas pudessem optar por enquadrar seus fundos como patrimoniais, e, finalmente, porém não menos importante, o veto aos três artigos do capítulo voltado aos benefícios fiscais.
Reconhecidamente um incentivo de peso para o desenvolvimento da cultura de doação, o abatimento de impostos de maneira simplificada é uma prática comumente adotada nos países em que os endowments se encontram em estágio mais maduro, já que as deduções costumam ser consideráveis, e os processos, desburocratizados. Segundo o World Giving Index 2023, elaborado pela Charities Aid Foundation, com dados do World View World Poll da Gallup, 4,2 bilhões de pessoas, o equivalente a 72% da população adulta do mundo, doaram dinheiro, tempo ou ajudaram alguém que não conheciam em 2022. No ranking mundial de doações do relatório, o Brasil aparece na 89ª posição, com 26% dos adultos doando recursos para organizações da sociedade civil. Em quinto lugar no ranking, os Estados Unidos, onde a filantropia conta com um sistema de incentivos fiscais robusto e descomplicado, o índice de pessoas que fizeram doações atinge 61%.
Se os números escancaram desafios, expõem também o potencial para a ampliação da cultura de doação no Brasil. É preciso enfatizar que, nos últimos anos, na esteira do pós-pandemia, o país assistiu a um movimento crescente de iniciativas voltadas à responsabilidade social e à consolidação da filantropia estratégica como impulsionador de políticas públicas. Soma-se a isso o fato de as ações da sociedade civil serem atualmente transnacionais, de forma que os brasileiros têm um olhar mais amadurecido para absorver iniciativas internacionais que fazem a diferença, caso dos endowments, que tendem a ser adotados de maneira mais sistemática, transcendendo assim a questão financeira, para se estabelecerem como um dos modelos de doação capazes de fazer a diferença na vida de pessoas e comunidades. E o melhor: de forma ininterrupta.
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Rebecca Tavares é presidenta e CEO da BrazilFoundation.