Psicodélicos: Por que precisamos deles?
Por Rodrigo Fonseca Martins Leite
A relação da espécie humana com as substâncias psicoativas se perde nos tempos imemoriais – provavelmente desde a Pré-História e relacionados ao nascimento das atividades religiosas e do xamanismo. Na Grécia Antiga, os mistérios de Eleusis eram ritos de iniciação ao culto das deusas relacionadas a agricultura e aos ciclos da natureza – Deméter e Perséfone. Alguns estudiosos propuseram que estes rituais utilizavam substâncias psicodélicas. Curioso pensar que o berço do pensamento ocidental pode ter sido influenciado por estados de consciência induzidos por substâncias.
Mas, afinal, o que significa “psicodélico”? Este termo foi cunhado em 1957 pelo psiquiatra Humphry Osmond ,derivado dos termos gregos psykhe –mente e dêlos – visível, claro, manifesto. Ou seja, o efeito psicodélico seria decorrente da manifestação da mente e suas potencialidades.
As décadas de 1950 e 1960 viveram uma grande efervescência em torno destas substâncias tanto do ponto de vista cultural quanto científico. Além dos Beatles, Festival de Woodstock e Haight Ashbury, as pesquisas demonstravam efeitos terapêuticos significativos do LSD e da psilocibina no tratamento de sofrimento mental relacionado ao término de vida, dependência do álcool e depressão. Aqui cabe um parêntese: As drogas que agem no sistema nervoso central (SNC) são muito diferentes entre si, não sendo possível colocá-las todas no mesmo pacote. Enquanto o álcool e a cocaína geram padrões de consumo descontrolado e se associam a muitos problemas de saúde e risco de morte, os psicodélicos apresentam baixíssimo risco de dependência e mortalidade por superdosagem.
Entretanto, no final da década de 1960, o uso indiscriminado de drogas – todas, diga se de passagem, não somente os psicodélicos – gerou uma reação política que foi o motor da chamada “guerra às drogas” que persiste até hoje. Os pilares desta guerra – que gasta bilhões de dólares anualmente, faz crescer a população carcerária em todo o mundo e mata milhares de pessoas, sem qualquer efeito de redução do consumo – têm sido o pânico moral e a repressão policial, especialmente sobre populações pobres, periféricas e desfavorecidas.
Mas voltando aos psicodélicos, a pesquisa científica na área renasceu no início do século XXI, junto com um crescente interesse social no tema. Nem tudo são flores, literalmente: Os psicodélicos precisam ser utilizados com o devido respeito pois podem tanto trazer experiências sensoriais intensas e até de cunho espiritual ou místico quanto gerar sofrimento mental, especialmente em pessoas com antecedente pessoal ou familiar de esquizofrenia ou transtorno bipolar. Além disso, o uso requer uma preparação do contexto propício e com o devido acolhimento e segurança e o tratamento não é simplesmente ingerir uma substância. A pessoa precisa contar antes e depois da experiência com o auxílio de intervenções psicoterápicas. O que é vivido sob a influência do psicodélico precisa ser integrado e fazer sentido dentro dos valores e biografia do indivíduo. Ou seja, não se trata de uma perspectiva hedonista, “de festa”, simplesmente. Para muitas culturas ainda hoje, os psicodélicos são portas de acesso ao “sagrado” em vários níveis. A medicina também carece deste resgate.
Neste sentido, nossa cultura imediatista, superficial e voraz precisa de experiências que desafiem este estilo de vida e sistemas de valores pois há algo fundamentalmente errado na forma com que lidamos com as pessoas, a natureza e o mundo. O crescimento da extrema direita, da xenofobia e a falência das políticas públicas são sintomas graves desta patologia global que se origina na soberba e egoísmo. A cultura psicodélica influenciou o nascimento dos movimentos ecológicos, pacifistas e LGBTQIA+ nos anos 60.
Desta forma, a busca pelos psicodélicos não pode ser encarada somente sob a perspectiva de um bem-estar individual nem como cura para todos os males, mas antes como um necessário despertar de consciências para nos conduzir a um destino coletivo mais favorável. Utópico? Sem dúvida, mas é possível começar em si mesmo. A saúde mental e a saúde da sociedade agradecem.
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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.
Sobre o autor: Rodrigo Fonseca Martins Leite é médico psiquiatra pelo IPq HCFMUSP, mestre em políticas públicas e serviços de saúde mental, produtor da mídia social “psiquiatra da sociedade”.