5 mulheres são espancadas a cada 2 minutos no Brasil
Os parceiros são responsáveis por mais de 80% dos casos reportados
Por: Isabela Alves
Álcool, drogas, poder econômico e fatores culturais estão diretamente associados aos casos de violência doméstica. Segundo a pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado, no Brasil, estima-se que cinco mulheres são espancadas a cada 2 minutos. Em mais de 80% dos casos, o agressor é um parceiro (marido, namorado ou ex).
No quarto capítulo da série do Observatório do Terceiro Setor sobre violência contra a mulher, vamos contar a história de Lorete Santana Iba, vítima de violência doméstica por 16 anos.
“A primeira agressão (física) aconteceu com menos de um ano de casamento. O motivo eu não me lembro exatamente, mas aconteceu porque eu não podia contrariar ele. Ele tinha consciência que eu tinha medo dele e se aproveitava disso”
Lorete Santana Iba era uma mulher independente que, desde muito jovem, trabalhava. Aos 14 anos, após seu pai ter abandonado a casa, a moça se tornou o braço direito da mãe e a ajudava a sustentar seus dois irmãos. Aos 16 anos, já pensava na sua carreira profissional e iniciou um curso de enfermagem. Pouco depois, conseguiu trabalho em um hospital.
Nesta época, ela conheceu o homem que logo se tornaria seu marido. Desde o início, seu companheiro era muito ciumento. O ciúme era tanto que, após dois meses de casados, ele a proibiu de seguir com a sua sonhada profissão. “Ele não queria que eu trabalhasse lá, porque dizia que mulher que trabalha em hospital não presta e sai com todos os médicos”, relata.
Aos poucos, o marido foi demonstrando um comportamento cada vez mais obsessivo e violento. Inicialmente, ele só implicava com suas roupas e maquiagem, e, para agradá-lo, ela foi cedendo. Depois, ele a proibiu de conversar com seus amigos, e, para evitar o conflito, ela se afastou deles. Com menos de um ano de casamento, veio a primeira agressão física.
“O motivo eu não me lembro exatamente, mas aconteceu porque eu não podia contrariar ele. Ele tinha consciência que eu tinha medo dele e se aproveitava disso”, relembra com tristeza.
Lorete também destaca que o marido tinha problemas com álcool. Todas as vezes em que chegava bêbado em casa, ele fazia com que a esposa e os dois filhos se sentissem acuados. As agressões psicológicas começaram a se tornar parte do dia a dia e as físicas ocorriam de semana em semana. “Quando ele não estava agredindo, estava ameaçando que iria agredir, então não sei o que era pior”, lembra.
Um dia, após chegar em casa bêbado, ele a agrediu com tanta força que ela bateu a cabeça no chão e desmaiou. Lorete foi parar no hospital e, assim que conseguiu se recuperar, denunciou a agressão na delegacia da mulher. O marido contratou um primo advogado para o defender. “O primo dele deu um jeito e acabou que a denúncia virou contra mim, como se eu tivesse provocado a agressão. Ele saiu absolvido na audiência”, conta.
Após ter realizado a denúncia, ela continuou morando com ele, por acreditar que as coisas poderiam mudar. Mas a cada vez que ele lembrava da denúncia, o ódio era maior. Quando ele procurava emprego, por exemplo, a empresa pesquisava seus antecedentes criminais e a denúncia aparecia, fazendo com que ele continuasse desempregado.
Mesmo passando por necessidades econômicas, sempre que Lorete falava em trabalhar, ele ficava agressivo e, quando ela chegava a conseguir algo, o marido a forçava a desistir da vaga.
“Eu ficava no máximo um mês na empresa. Ele chegava antes ou um pouquinho depois de mim, e começava a falar que a casa estava horrível e quebrava tudo. Depois ele ia para o bar, chegava em casa bêbado. No outro dia, eu não tinha condições de trabalhar porque ele ficava me torturando psicologicamente a noite inteira”.
Lorete não tinha mais vontade de viver e se sentia muito infeliz. A situação estava tão grave que chegou a pensar em suicídio. Ela tinha chegado ao seu limite e resolveu tomar uma atitude. “Não tinha como sair dessa situação, então o único jeito que tinha era me matar. Mas eu pensava nos meus filhos. Como eu poderia me suicidar e deixar os meus dois filhos com esse monstro?”
Nessa fase de desespero, ela contou tudo para a mãe, que até então tinha apenas uma ideia parcial da realidade, achando que a situação fosse menos grave. “Falei que não era mais uma vez por semana, mas que todos os dias ele estava me ameaçando de morte, e que inclusive ele estava andando com uma faca na cintura”, relembra Lorete.
Sua mãe a aconselhou a alugar uma casa e disse que a ajudaria com o aluguel até Lorete conseguir se sustentar sozinha. No dia da mudança, Lorete esperou o marido sair para trabalhar. Depois disso, ela começou a organizar suas coisas o mais rápido possível.
Familiares do marido, que viam o quanto ela estava sofrendo com as agressões, a ajudaram. Ela se mudou para uma casa a dois quarteirões da antiga e foi questão de tempo para que o marido fosse atrás dela. “Passamos noites acordados achando que ele estava rondando, tentando invadir a casa. Foram noites de muito medo, mas eu falei que não voltava e não voltei”.
Para sua sorte, em pouco tempo ele encontrou outra mulher em uma de suas saídas para o bar. Ela se apaixonou por ele e pagou o divórcio para se casar logo com ele.
Lorete se separou do marido em novembro de 2000, após 16 anos de casados. Atualmente, ela trabalha como cuidadora de idosos e, quando reflete sobre todos aqueles anos de sofrimento, sente um estranho sentimento melancólico. “Eu passei por todas as fases e cheguei a me anular por causa da outra pessoa”, conclui.
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