ESG contra o greenwashing e socialwashing
Por Edmond Sakai
Na pandemia, o público exigiu que empresas fizessem sua parte com ações sociais para amparar os mais vulneráveis. E está claro que esta demanda veio para ficar. Além das iniciativas pontuais, as corporações devem assim se engajar de forma efetiva e duradoura para diminuir a desigualdade e a exclusão. Entretanto, sabemos da “maquiagem social” e precisamos ficar atentos a isto.
Quando escrevi sobre “Como ter uma estratégia simples de parceria bem-sucedida entre ONGs e empresas”, citei o greenwashing e o socialwashing como fenômenos a serem evitados, e escrevi que me aprofundaria mais nesses temas. Agora, irei abordar o que é, como identificar e evitar essa “lavagem” de temas ambientais e sociais.
O greenwashing, ou “lavagem/maquiagem verde”, é um termo antigo e conhecido, que surgiu na esteira da exigência dos consumidores por empresas mais conscientes do impacto ambiental de sua produção. Uma boa analogia visual seria passar uma demão de tinta verde por cima de um objeto velho e desgastado. A tinta nova disfarça os problemas estruturais do objeto, mas não os faz desaparecer. Uma hora, a essência aparece.
Em outras palavras, uma empresa pratica o greenwashing quando divulga, por meio de ações de marketing, comunicação e relações públicas, ações e iniciativas de preservação ao meio ambiente de baixa efetividade, mais cosméticas do que reais. Geralmente acontece quando as ações são pontuais ou isoladas e não articuladas com todas as áreas/hierarquias da empresa.
Como identificar o greenwashing?
Em um ótimo artigo, a repórter do Valor Investe, Naiara Bertão, abordou o greenwashing e formas de identificar essa prática. São elas:
- Departamento de sustentabilidade que se reporta a outras diretorias. Se o departamento de sustentabilidade (ou meio ambiente ou afim) está subordinado às diretorias de marketing, recursos humanos ou relações com os investidores, isso costuma ser um mal sinal. Indica que a preocupação ambiental não faz parte da estratégia da empresa, mas está ligada a um “posicionamento externo e muitas vezes artificial”, segundo Naiara.
- Falta de engajamento das altas lideranças. A preocupação com a sustentabilidade deve estar diretamente ligada à alta direção da empresa e às diretorias operacionais, tornando-se uma preocupação transversal a todas as áreas. Isto só acontece com o engajamento efetivo das lideranças, “de cima para baixo”. A melhor forma de saber se a sustentabilidade é uma preocupação real de uma empresa passa por verificar com que frequência temas ambientais são discutidos a nível de diretoria e conselho.
- Desconexão com a atividade-fim. Uma empresa que faça ações pontuais de sustentabilidade, como plantar árvores em um dia do ano, ou substituir copos descartáveis por canecas reutilizáveis no cafezinho, mas que não tem uma preocupação constante e consistente com a diminuição da pegada ambiental em seus processos de produção, distribuição, descarte, etc, pratica o greenwashing típico. Claro que empresas de setores com grande ônus ambiental, como a indústria do petróleo, precisam realizar grandes ações para neutralizar esses impactos. A Petrobras é um exemplo: a maior poluidora do Brasil é também a que mais investe em ações ambientais. Mas isso é apenas obrigação de uma empresa de um setor tão poluente. O investimento em tecnologia para desenvolver fontes de energia limpas e renováveis a fim de substituir o petróleo é a única forma efetiva de empresas desse setor se tornarem “sustentáveis”.
E o socialwashing?
Minha experiência com ONGs é ligada a temas sociais e ambientais. Posso assim dizer também que tenho intimidade com o parente social do greenwashing, o socialwashing. O mecanismo é basicamente o mesmo, e os sinais que indicam o primeiro também podem identificar o segundo. Com o crescimento da cobrança por maior responsabilidade social das empresas, muitas fazem ações pontuais apenas para “ficar bem na foto”, sem um compromisso mais efetivo e continuado para ter um papel ativo na superação das desigualdades e exclusões sociais.
Com o contexto de pandemia, como já disse, o foco das empresas e doadores se voltou a ações sociais para aliviar o impacto da Covid-19 nas populações mais socialmente vulneráveis e, embora haja muitas ações realmente efetivas e de impacto acontecendo, há também muito socialwashing. A medição de impacto de ações sociais ainda é menos frequente do que as métricas que guiam iniciativas ambientais, por isso é mais difícil identificar ações que são mera maquiagem.
Penso que a melhor forma de identificar o nível de comprometimento de uma empresa com a área social é verificando como estas empresas tratam seus próprios funcionários, e agora especialmente, como elas estão dando assistência a seus trabalhadores para enfrentar com segurança e saúde o período da (ainda) pandemia. A empresa demitiu em massa na pandemia, ou obrigou os funcionários a trabalharem sem as medidas de proteção necessárias? Ou aboliram o uso de máscara de proteção nos escritórios? Alerta vermelho!
Quando a pandemia estiver finalmente controlada (ainda não está), investidores e gestores de fundos de impacto social estarão cada vez mais de olho em quem realiza programas duradouros e estratégicos. As métricas e avaliações serão cada vez mais sofisticadas e os investimentos concentrados em quem de fato entrega resultados concretos.
Bluewashing, pinkwashing, rainbowashing…
Alguns subgrupos do socialwashing, segundo a matéria da Bloomberg sobre o tema, são o “bluewashing” (associação visual com a ONU para dar uma legitimidade indevida), “pinkwashing” (associação pouco efetiva com temáticas ligadas às pautas LGBTQI+), e “rainbowashing” (uso inapropriado dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU).
RSA -> CVC -> ESG
Desde a década de 90, o termo “Responsabilidade Socioambiental (RSA)” vem sendo adotado pelas empresas como uma forma de praticarem filantropia. Nos anos 2000, o foco mudou de filantropia para gerenciamento de risco. A partir de 2010, empresas começaram a implementar o termo “Criação de Valor Compartilhado (CVC)”. Em breves palavras, empresas investem na criação de valor compartilhado que afeta diretamente a cadeia de valor do produto. Ou seja, ganham as empresas, ganham as pessoas, que por sua vez, fazem as empresas ganharem ainda mais.
Atualmente, o ESG, sigla dos termos em inglês para Ambiental, Social e Governança, é o queridinho do momento e penso que deverá ficar por um bom tempo entre nós. Mais do que uma atualização de nomenclatura, esse conceito prevê um controle de metas, resultados e um comprometimento mais sério.
Na área ambiental, ele se preocupa com a gestão das emissões de gases que causam mudanças climáticas, consumo de recursos naturais como água e energia e descarte de resíduos. No aspecto social, olha para dentro da organização, para a diversidade, segurança e qualidade de vida dos colaboradores, e colabora em campanhas externas para diminuir desigualdades e auxiliar quem mais precisa. Na frente da governança, desenvolve e implementa políticas e práticas sobre diversidade, ética e práticas de anticorrupção a partir dos níveis mais altos da organização, multiplicando-as por toda a cadeia.
A abordagem ESG é vantajosa por articular as agendas ambiental e social. Como terceiro pé deste tripé, a governança é o que faz qualquer ação funcionar. Baseada em parâmetros claros e metas padronizadas, pode gerar um rating ESG para a empresa, que irá atrair investimentos. Já escrevi sobre o crescimento do investimento com impacto social, e o ESG está sendo muito utilizado por gestores de fundos com propósito social para basear que ações apoiar com os recursos dos investidores.
Pesquisas, citadas em um artigo bastante informativo publicado no Estadão, mostram que as empresas com uma gestão de ESG mais sólida estão resistindo melhor à pandemia e atraindo as atenções de gestores de investimentos mais preocupados com questões socioambientais num momento de crescente pressão da opinião pública sobre o tema. Considero este um passo importantíssimo para uma mudança de patamar do investimento social, que vai além da filantropia (embora esta seja muito importante) para ao mesmo tempo gerar riqueza e fazê-la trabalhar pelo bem coletivo.
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Sobre o autor: Edmond Sakai é diretor regional da Sede Mundial da ONG internacional médica Operation Smile. É advogado e professor universitário. É mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo e mestre em Administração de ONGs pela Washington University in St. Louis, EUA. Foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de São Paulo.
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