“Enquanto a pílula da felicidade não vem…”
Por Rodrigo Fonseca Martins Leite
Falamos cada vez mais sobre saúde mental, ou melhor, sobre transtornos mentais, na verdade. Até bem pouco tempo atrás, admitir publicamente um diagnóstico de depressão ou transtorno do pânico, para alguns, era um atestado de desmoralização – hoje uma atitude quase corriqueira.
Este estigma foi construído socialmente a partir dos manicômios, dos abusos e violações ainda presentes, do medo de enlouquecer e da dificuldade de lidarmos com a diferença e com a incapacidade.
Ser assistido por um profissional da saúde mental – especialmente um médico psiquiatra – equivalia a ser condenado a um fracasso existencial. Hoje em dia, se intitular como “depressivo” ou “ansioso” ou “do espectro autista” agrega um curioso glamour identitário.
Entretanto, a inclusão social real destas pessoas no Brasil ainda é um desafio longínquo, sobretudo se além do sofrimento mental somarmos miséria, desemprego, falta de suporte social ou outras exclusões étnicas, culturais, raciais ou de gênero. Na prática, faltam políticas públicas, mudança de cultura e garantia de direitos. No pós-pandemia, isso se torna mais evidente quando observamos o aumento das cenas abertas de uso de drogas (“Cracolândias”) nas metrópoles brasileiras, por exemplo.
Repare que até aqui falamos de pessoas com transtorno mental – quadros geralmente crônicos, que acompanham os indivíduos ao longo da vida por anos ou décadas, que trazem prejuízos variáveis na socialização, capacidade laborativa e qualidade de vida. Mas e a saúde mental num sentido mais amplo?
Saúde mental é uma árdua busca diária, inerente à condição humana, repleta de altos e baixos e precisa estar na agenda de todos, sob a forma de um compromisso ritual, assim como se alimentar, dormir, trabalhar e fazer atividade física. Como somos seres resultantes de um mosaico de interações complexas e pouco elucidadas entre circunstâncias sociais, meio familiar, genética, organismo, personalidade e mistério, precisamos de auto-conhecimento.
Cada um de nós precisa aprender a mapear pensamentos, emoções, desejos e comportamentos e observar que impacto geramos nas outras pessoas. Não adianta nos sentirmos radiantes e felizes se estamos sendo arrogantes, predatórios ou desrespeitosos com as pessoas ao nosso redor.
Lembremos que uma das principais proteções que tamponam a aridez e os sobressaltos do cotidiano e do destino é ter um pequeno grupo social com o qual possamos realmente contar e retribuir. Desenvolver o perdão e a aceitação do que não pode ser modificado dentro e fora de si são igualmente tarefas importantes. Empatize, se possível. Conheça seus limites e gentilmente tente expandi-los. Aprenda…
Viva seus lutos e renasça a partir deles. Tolerar as marés da angústia, tristeza, frustração ou raiva sem querer eliminá-los imediatamente nos confere musculatura e nos obriga a encontrar novas trilhas nas selvas da mente.
E conte com os bons profissionais de saúde mental para apoiar quando o desespero se torna insuportável, lembrando que cultura, espiritualidade, contemplação, reflexão, lazer, meditação, ócio, jejum de tecnologias e afeto são suplementos indispensáveis. Medicações podem ser úteis pelo tempo necessário, considerada a singularidade de cada indivíduo.
Abstenha-se mais dos prazeres imediatos e excessivos. Espere mais. Respire mais. Desista. Perceba seu corpo e seus ritmos internos. Feche os olhos. Sinta-se parte da natureza e do cosmos. Aceite o vazio. Ative seu curador interno. Todos nós possuímos um. Ainda bem!
Abaixo a ditadura do “Preciso me sentir bem sempre” neste Janeiro Branco. Substitua pela “Dor e a delícia de ser o que é”; associada à coragem de explorar e estar presente a cada momento.
Fácil falar não é mesmo? Mas, o desafio está colocado para todos nós: Saúde mental é sabedoria, sejamos depressivos, bipolares, psicóticos, borderlines, obsessivos ou os delirantes da normalidade. A vida não tem cura…
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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.
Sobre o autor: Rodrigo Fonseca Martins Leite é médico psiquiatra pelo IPq HCFMUSP, mestre em políticas públicas e serviços de saúde mental, produtor da mídia social “psiquiatra da sociedade”.