Parcerias entre grandes ONGs e empreendedores sociais independentes ainda são raras
Por Edmond Sakai
Já escrevi um artigo sobre como criar parcerias bem sucedidas entre Organizações da Sociedade Civl (OSCs) e grandes empresas. Parceria é uma palavra indispensável no dicionário do impacto social, afinal é o que permite boas ideias e inovações atingirem o impacto desejado a partir da reunião de indivíduos ou grupos para alcançar um objetivo comum. Mas, as parcerias não precisam se limitar apenas entre entidades de diferentes setores (ONGs e empresas, ONGs e governos etc.). Elas também podem e devem ocorrer entre diferentes players dentro do Terceiro Setor.
Na economia das startups, que cada vez mais se consolida como o modelo padrão, a ordem é: inovar, testar e escalar. Nos EUA, eles costumam falar: “go big or go home” (“pense grande ou vá embora”, em tradução livre). Com efeito, é uma expressão geralmente utilizada para incentivar alguém a fazer algo, incentivar alguém a seguir adiante, a dar o máximo de si. Ou seja, a inovação geralmente acontece por meio de empreendedores independentes, fora das grandes estruturas corporativas. Mas, uma vez que a ideia inovadora prova que funciona, ela precisa ganhar escala, e nesse momento o empreendedor deve ou se associar a uma grande empresa ou conseguir um montante expressivo de financiamento para que sua inovação ganhe a escala necessária para ser economicamente viável.
Por exemplo, esta captação de recursos poder ser feita via venture capital, ou capital de risco, que é uma modalidade de investimento em que o dinheiro é aplicado em empresas jovens com expectativa de crescimento rápido e rentabilidade alta. Ou via investidor-anjo que é uma pessoa física (pode ser pessoa jurídica também) que utiliza os seus próprios recursos para aplicar no negócio de outros empreendedores. Além de investir financeiramente no negócio, o investidor-anjo também entra com todo o conhecimento e rede de contatos que acumulou ao longo dos anos e vai participar do negócio atuando também como uma espécie de mentor. Vide a ONG Gerando Falcões que recebeu investimentos e experiências de empresários como Jorge Paulo Lemann, Carlos Wizard e Flávio Augusto da Silva.
Curiosamente, esse modelo que já mostrou muito sucesso no setor privado raramente ocorre no Terceiro Setor. Em artigo na Stanford Social Innovation Review, Kevin Starr e Sarah Miers tentam entender o porquê. Os autores são diretores da Mulago Foundation, uma fundação que identifica e financia organizações de alta performance que atuam pela erradicação da pobreza. No artigo, eles afirmam que, das 50 organizações que fazem parte do portfólio da Mulago, nenhuma tem um caso de sucesso de parceria com grandes organizações para ganhar escala. Eles resolveram fazer uma pesquisa entre CEOs de grandes ONGs e outros players importantes do setor para obter respostas para esse enigma.
Em primeiro lugar, eles descobriram que o problema é real. Nenhum dos entrevistados conhece um exemplo bem sucedido desse tipo de parceria. Mas as respostas apontam caminhos para entender os motivos.
O dinheiro vai para projetos
As grandes OSCs possuem, logicamente, grandes fontes de financiamento, principalmente organismos internacionais como o Banco Mundial e USAID. Estes grandes financiadores geralmente destinam a verba para projetos, com prazo e escopo bem definidos. Isso acaba prejudicando soluções inteligentes que precisam ganhar escala, favorecendo um cenário de vários projetos que, embora possam ter pontos em comum, não se conectam.
Competitividade
Muitos entrevistados deram uma resposta que parece óbvia, mas é prejudicial: “nós não escalamos soluções de fora”. Este talvez seja o principal problema do ecossistema das ONGs: uma mentalidade de competição, onde deveria haver cooperação. Não há demérito nenhum em adotar e ajudar a escalar boas ideias vindas de fora da organização, pelo contrário.
Falta de comunicação entre diretoria e campo
A pesquisa identificou casos em que a liderança da organização estava empolgada com uma nova solução, mas não conseguiram traduzir esse entusiasmo para a equipe de campo que deveria realizar o trabalho, e também de equipes de campo que viram soluções que funcionavam na prática mas não puderam convencer a diretoria da eficácia da solução. Para evitar esse descompasso, é preciso que as grandes OSCs desburocratizem seus processos e “diminuam a distância” entre a liderança e o campo, em especial na questão orçamentária. As grandes ONGs ainda não aprenderam a orçar com exatidão projetos de escala para soluções das organizações menores.
Falta de controle de qualidade
Os autores afirmam que, em muitos casos, o problema é que, geralmente, ao replicar inovações, raramente as ONGs atingem resultados parecidos com o do esforço original, resultando em decepção. Isso se deve à falta de um controle de qualidade durante a replicação, das duas partes. O autor original da solução pode não saber traduzir o seu modelo para outras organizações, ou a OSC replicadora pode tentar “cortar caminho” em custos, pessoal e prazo, em relação ao original.
Os diretores da Mulago concluem que uma forma de sair desses círculos viciosos é as grandes ONGs tratarem os empreendedores sociais independentes como “laboratórios” de soluções, e arriscarem mais. Afinal, a maioria dos independentes está aberta para fornecerem suas soluções em troca da satisfação de ver suas ideias ganharem escala. Uma operação de escala bem-sucedida pode compensar os casos decepcionantes.
Concordo com essa conclusão e acho que aqui no Brasil, no cenário pós-pandemia que estamos começando a viver, as grandes OSCs que apostarem nessas parcerias só tem a ganhar. Tenho visto um volume incrível de soluções inteligentes e bem pensadas criadas por empreendedores sociais independentes, só esperando a ajuda de algum “grande” para ganhar escala e obter resultados de alto impacto, muito necessários neste momento.
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Sobre o autor: Edmond Sakai é diretor regional da Sede Mundial da ONG internacional médica Operation Smile. É advogado e professor universitário. É mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo e mestre em Administração de ONGs pela Washington University in St. Louis, EUA. Foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de São Paulo.